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A melhor profissão do mundo

Todos a conhecem por Professora Carmo. Está há 19 anos na Escola Santa Maria dos Olivais e é querida por toda a comunidade escolar. E nós fomos conhecê-la!

Carmo Sousa Pinto é a coordenadora da Escola Santa Maria dos Olivais, além de coordenadora de departamento, ou seja, das restantes escolas de 1.º ciclo do Agrupamento.

Recebe-nos num dia chuvoso, no seu gabinete muito improvisado, com paredes feitas de móveis de madeira em plena área comum do pavilhão: é que a escola está em obras, promovidas pela Câmara Municipal de Lisboa, encontrando-se metade encerrada e metade em funcionamento. Vai até receber um ginásio!

Com uma simpatia instantânea, a voz grave que a caracteriza e a bata que nunca despe, a professora fala-nos da sua vida e do seu percurso e da sua forma de conceber a missão de ensinar. Um assunto vem à baila em todos os momentos: a relação interpessoal.

O princípio

“A minha vida de professora começou em 87, quando terminei o Magistério Primário e ingressei de imediato num colégio particular em Mem Martins, entretanto já extinto. O director do colégio, já falecido, foi uma grande inspiração para mim, e a esposa, directora pedagógica, também, pela forma como me fizeram aprender a estar com as crianças, mais do que o B-A-BÁ do ensino”, revela Carmo.

Depois de um ano a trabalhar numa editora, percebeu que as pilhas de livros e o trabalho enclausurado num escritório não eram para si. “Precisava do contacto humano, não posso ver-me sufocada em papéis”. Concorreu então para o Estado e ficou colocada em Algueirão Velho, depois na Tapada das Mercês, Serra das Minas… até que conseguiu voltar para a sua escola, onde tinha feito o ensino primário.

“Sou filha do bairro, sempre vivi na Rua dos Lojistas. Tenho uma ligeira ideia da construção do Bairro da Quinta do Morgado, no final dos anos 60, e dos prédios que estão por detrás da minha casa. Fui vendo os Olivais crescer”, explica a coordenadora da Escola.

“Porque escolheu ser professora?”, perguntamos. “Por influência da minha professora do 1.º ciclo, ou professora primária, como às vezes ainda costumo dizer. Lembro-me perfeitamente dela: Beatriz Nogueira Rebelo. Uma tia minha, irmã do meu pai, que eu adorava, também me influenciou. Desde miúda, sempre disse que queria ser professora primária”.

Confessa que esta faixa etária é a de que gosta mais: “É uma fase em que se pode fazer tudo. Dá para lançar muitas sementes, mesmo que depois não seja possível ver os frutos. Mas quando os vemos chegar ao 9.º ano, sentimos que há ali qualquer coisa nossa, há uma continuidade, e isso é muito bonito”.

O reencontro com antigos alunos é frequente. Conta-nos, inclusivamente, que costuma participar nos jantares anuais organizados pela sua primeira turma! “Já me sinto avó dos filhos deles! Tenho engenheiros, médicos, informáticos, tanta coisa…”.

Há uma ligação afectiva muito grande entre os alunos do 1.º ciclo e a professora, segundo a nossa amiga. No fundo, são quatro anos consecutivos, pelo menos 5 horas por dia, 5 dias por semana. “Alguns passam mais tempo connosco do que com os pais! A professora do 1.º ciclo é muito mais que professora. Sabe olhar para eles e saber quando estão contentes, mal dispostos, zangados, ansiosos…”

Timor Lorosae

Entre 2008 e 2012, a professora Carmo trabalhou em Timor, algo que descreve como uma experiência fora-de-série. Só não ficou mais tempo porque não podia.

O que mais a impressionou naqueles quatro anos foi “o contacto humano”. “É uma população que precisa de tudo e que dá tudo! Eles percebiam que nós estávamos a fazer um sacrifício enorme para estar a 10 mil quilómetros de casa e longe da família (apesar de eu ter os meus filhos comigo), mas é impressionante que nunca me senti sozinha. Sempre me senti muito acompanhada. Mesmo que eu não soubesse quem eram as pessoas, toda a gente sabia quem eu era”.

E relata-nos um episódio, logo nos primeiros dias, em que estava muito ansiosa porque o filho, que costumava vir a pé com os colegas, nunca mais chegava a casa.

A grande diferença que nota é o grau de envolvimento dos pais no processo educativo: “Os pais timorenses valorizam muito a escola, sobretudo a escola portuguesa, porque os filhos saem de lá com grandes perspectivas em relação aos outros. Nas reuniões de pais, tinha 28 alunos e chegava a ter 56 pais nas reuniões, porque vinha o pai e a mãe! Muitos até interessados em aprender o português, porque há ali uma geração que apanhou a fase do domínio indonésio em que não podia falar português, sob risco de morte. Esses sabem indonésio, tétum e muito pouco inglês”.

Escola tem ultrapassado todos os problemas

Conhecido por alguns como a Escola n.º 175 dos Olivais Norte, o estabelecimento de ensino fica situado na Rua General Silva Freire e abrange a área geográfica do Bairro Bensaúde, um bairro de habitação municipal onde predominam etnias minoritárias, à cabeça a população de etnia cigana.

“Esta escola é um pouco diferente da escola habitual. Tivemos de estabelecer relação com a comunidade que foi alvo de realojamento. É preciso notar que estas famílias passaram por um processo traumático (em muitos casos, mais que uma vez) de ser forçadas a mudar de casa. Da Feira de Moscavide para a Pontinha, depois para aqui… não é fácil. Conheci casos de famílias rivais que passaram a viver porta com porta, sem qualquer sensibilidade para com as suas especificidades culturais”, conta com conhecimento de causa.

“Estes alunos tiveram casa nova, escola nova, professores novos, auxiliares novos, colegas novos. É muita novidade, criou muita insegurança na comunidade. Miúdos com 13 e 14 anos tinham inveja de saberem menos que os colegas mais novos, com 6, 7, 8”. Contudo, garante-nos que os anos complicados já estão ultrapassados. “Atacámos o problema a partir de dentro, porque a Escola tem um papel importantíssimo na integração das comunidades. Comecei a ir ao bairro. Não se resolveu de um dia para o outro, mas conquistei a confiança das famílias e isso foi fundamental para o diálogo. Ainda por cima tenho o privilégio de ter uma equipa excepcional de professores, auxiliares e a assistente social!”.

A Escola tem actualmente 106 alunos em 6 turmas e sofre ainda um pouco com o estereotipo existente. Muitos pais começam o ano com dúvidas se será a melhor escola para os filhos mas depois acabam por adorar, segundo a coordenadora. O facto de ter turmas mais pequenas favorece a aprendizagem dos alunos, porque os professores têm mais tempo para cada aluno.

A melhor profissão do mundo

Começamos pelo que menos gosta, antes de passar à parte boa… E é fácil: a professora Carmo não gosta da parte administrativa e burocrática. “Sei que muitas coisas têm de ser assim, mas detesto preencher papelada e relatórios. Sinto falta de ter uma turma!”.

Costuma dizer-se que o professor tem a profissão mais importante do mundo, na medida em que tem a missão de educar as crianças, que são o futuro da nossa sociedade. Será que a professora concorda?

“Não sei se é a mais importante mas a melhor é, porque é a profissão que eu adoro! Tentei outra e não me dei. A função primordial é ensinar, mas é muito mais que isso. Não se plantam couves no deserto. Passamos muito tempo com as crianças e temos de perceber porque é que elas não aprendem, o que é que falha. Temos de conhecer as famílias, ensinar muitas famílias a acompanhar os seus filhos da melhor maneira. Se não conhecermos de facto os alunos e estabelecermos relação com eles, não conseguimos semear nada. A Escola não pode ensinar só a ler, escrever e contar!”.

E para rematar, confessa que sofre com os seus alunos, “e de que maneira!”. “Conheço histórias muito, muito difíceis, chocantes mesmo. Ainda há pouco tempo tive acesso a um processo de uma mãe, vítima de violência doméstica, e chorei. Quando vi a mãe, só me apetecia abraçá-la, pela sua capacidade extraordinária de sobrevivência. Os meus filhos costumam dizer que os problemas de casa acabam no portão, mas os problemas da escola levo-os para casa…”.

Para terminar, perguntamos-lhe o que escolhia se pudesse estalar os dedos e ver cumprido um desejo. Agora que já vai ter uma escola nova, assim que as obras estiverem terminadas, elege o seu desejo: “Gostava que as novas tecnologias ficassem ao dispor de todos os alunos. Salas com internet e computadores para todos, com projector”.

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