Reportagem
XF-17 Alfacinha
Muito mais que um passatempo ou um mero gosto pessoal, as motorizadas antigas são para Reinaldo Queiroz um verdadeiro objecto de culto.
Este jovem olivalense de 22 anos, nascido e criado no Bairro da Encarnação, é o mentor e impulsionador do projecto XF-17 Alfacinha, que pretende expandir para se tornar uma espécie de moto-clube da cidade.
O nome, além da componente que diz respeito à cidade de Lisboa, faz menção à Famel Zundapp XF-17, uma mota antiga que o pai comprou quando Reinaldo Queiroz não passava de um adolescente. Sempre às escondidas, o jovem rebelde aproveitava os sábados de feira para “dar umas voltas”: dizia aos pais que ficava a dormir até mais tarde e, nas palavras do próprio, “ia para o mato estragar a mota”!
Primeiro um blogue de internet, em que publicava experiências, passeios e respectivas fotografias, o XF-17 Alfacinha passou a incluir também uma página de Facebook e um canal de Youtube. Com o sucesso das experiências de organização de passeios, vem aí uma nova fase. Nos dias 17 e 18 de Janeiro, a Casa da Cultura dos Olivais acolhe uma exposição com fotografias, vídeos, motas e uma “Tertúlia Motociclista”, para assinalar o primeiro aniversário do XF-17 Alfacinha.
Porquê andar de mota?
Reinaldo Queiroz não tem dúvidas de que “andar de mota é completamente diferente de conduzir um carro”. E explica: “não é só pelas razões óbvias da segurança das quatro rodas e do ambiente fechado… Temos o prazer de levar com o orvalho da manhã na cara, de ir passear para o Alentejo ou para o Ribatejo, com as paisagens lindas à nossa frente”. Além da experiência individual enriquecedora, Reinaldo destaca ainda o convívio entre os aficionados: “nos eventos criam-se encontros muito interessantes, com tertúlias e contactos engraçados entre diferentes gerações. Os arraiais de antigamente, os namoricos entre as terrinhas, há mil histórias para ouvir e contar”. A sua história também passa por uma “terrinha”: Vila Nova de Cerveira, no Alto Minho. E nesta altura, em que lhe perguntamos precisamente por histórias, mas de quedas, o jovem recorda-se da seguinte… “Tinha um casamento num Domingo, chegou uma prima e eu quis armar-me em bom e levá-la a dar uma voltinha de mota. Tinha 16 anos na altura… Era em alcatrão, mas numa estrada que tinha uma curva em cotovelo entre duas aldeias. Não tinha ainda a prática de travar com a caixa de velocidades, só usava o travão”, explica Reinaldo, com um tom que sugere qualquer coisa como “não façam isto em casa”. E continua: “quando dei por mim já não fui a tempo, já estava na curva, e fui parar ao chão. Fiquei com uns arranhões em carne viva, mas pronto”. Não houve males maiores, o que bem pode agradecer, visto que tantos outros não têm a mesma sorte.
Os eventos
No ano de 2014, em que procurou sedimentar o XF-17 Alfacinha, participou em cerca de 20 eventos, tendo sido o organizador de dois.
O primeiro foi um passeio ao Cabo da Roca, em que marcaram presença 80 motorizadas vindas de Benavente, Cadaval, Lourinhã, Montijo, Odivelas, Massamá e Olivais. “Só avariaram duas motas, não tínhamos carrinha de apoio e desenrascámos a resolver as avarias”, relata Reinaldo Queiroz. “O que correu menos bem foi o horário, porque chegámos para almoçar já eram 15h”.
O segundo passeio foi ao Parque Eólico de Fanhões, que coincidiu com o Moto Clube de Faro e por isso contou com menos de metade dos participantes. Mas foi também um evento muito melhor coordenado e com maior sucesso: teve mais apoios, entre os quais o da Junta de Freguesia de Olivais, cumpriu o horário previsto e não houve quaisquer problemas na circulação rodoviária. “Fizemos uma bucha matinal no Parque Urbano de Santa Iria, outra no Parque Eólico e almoçámos já aqui na Encarnação”.
Mas não são só eventos programados ao pormenor, as iniciativas do XF-17 Alfacinha: “cheguei a criar outros passeios, só porque sim, em que a malta se juntava para fazer quilómetros”, afirma o jovem olivalense, “sem seguros, sem inscrições, sem nada”. Esses foram os passeios que lhe proporcionaram os primeiros contactos. Os primeiros amigos que fez entre a comunidade motard são de Benavente e Santo Estêvão (Alenquer).
Num destes passeios, Reinaldo conta que “um amigo partiu o travão de trás e conseguimos fazer uma engenhoca com um tronco mais duro que permitiu que ele chegasse até à base da Força Aérea. Aí já teve de esperar pelo reboque”. Estes pequenos percalços dão uma cor extra às aventuras e proporcionam inúmeras histórias de peripécias, umas mais felizes, outras mais azaradas.
Um gosto que se propaga
“Os contactos são uma das maiores riquezas dos passeios. É o que me dá mais gozo: a partilha, as conversas e as trocas de impressões”, confessa o jovem. “Desenvolvem-se relações de amizade, vamos mantendo alguns contactos, aproveitamos recursos”…
Esta dimensão vai muito para além do gosto pela velocidade. Reinaldo afirma não gostar de “assapar”, que é o mesmo que dizer “acelerar”. Reconhecendo que “a adrenalina da velocidade é viciante”, este motociclista diz gostar de andar de mota “mais no estilo americano, tipo chopper”: “o meu cenário ideal é um grupo de motards a ocupar a estrada toda, calmamente, a desfrutar da viagem. Não gosto de andar todo curvado em cima da mota, no picanço”, conclui.
A família está presente nesta paixão. Foi o pai quem comprou a mota que aparece nas fotos que ilustram este artigo, e era para ser ele a usá-la. Reinaldo Queiroz culpa-o por lhe “ter passado o bichinho das motas”, entre risos: “ao ver-me ir a passeios ao domingo de manhã, começou a querer também participar nestas aventuras. Ofereci-lhe uma motorizada recentemente que agora temos de recuperar, e em breve poderá vir participar nos passeios comigo”. A irmã também já manifestou interesse em adquirir um motociclo, mas por uma outra razão: o trânsito na ida para o trabalho. “A solução para ela é mais uma scooter”.
Conselhos úteis
A primeira coisa em que uma pessoa tem de pensar é, na opinião do mentor do XF-17 Alfacinha, “para que quero uma mota?” Pode ser para se deslocar de casa para o trabalho, ou para sentir adrenalina, só para a mostrar aos amigos…
Aconselha qualquer pessoa a informar-se sobre as alterações na lei e sobre as várias cartas de mota que existem: “muitas pessoas dizem que querem ter uma mota mas não conhecem as diferenças na carta da potência que estão habilitados a conduzir… até podem comprar a mota antes de ter a carta e depois ficam a chorar quando percebem que não podem conduzi-la”. Noutros casos, comprar uma mota é meramente utilitário: “a conta do combustível fica mais barata ao fim do mês, dá para fugir ao trânsito, etc. Há motas que gastam menos de dois litros aos 100 quilómetros. Não é propriamente o espírito motard, mas também é um argumento válido”.
Para o futuro, fica o desejo de lançar definitivamente o XF-17 Alfacinha como clube de motas, mas um clube vocacionado para a solidariedade: “não quero fazer só actividades relacionadas com motas, quero fazer acção social: recolha de material escolar, apoio a idosos… Quero ganhar a confiança da comunidade envolvente, que veja que somos úteis, não uns aficionados de motas que só querem strips e beber minis”. Brevemente estarão disponíveis inscrições para os donos de motorizadas que andam por aí escondidos… Boa sorte!