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Vera Lúcia, uma empreendedora cheia de projectos na manga

resized_Cabeleireiro E-Beleza - Vera Lúcia (8)O EXPRESSO do Oriente dá-lhe a conhecer Vera Lúcia, uma trabalhadora incansável cuja vida até pode ser uma autêntica montanha russa, mas isso não é motivo para a deitar abaixo.

Entramos no cabeleireiro E-Beleza, na Ameixoeira, ainda antes da hora marcada. Temos agendada a reportagem com a gerente do espaço. Mas parece que vamos ter de esperar… É que Vera tem de atender a uma “emergência” que requer a sua atenção imediata: uma cliente traz o cabelo bastante maltratado por algum estabelecimento da concorrência…

Logo a vemos em plena acção, a aplicar com mãos experientes os golpes de tesoura, os gestos com o secador e… a ensinar truques à cliente (“folhas de gelatina no cabelo?? Não sabia…”). E fala de tudo um pouco, como não podia deixar de ser num salão de beleza. O tema dominante é o visagismo, a arte de trabalhar a beleza a partir do rosto.

Expiados os “crimes” de mão alheia e satisfeita a cliente em desespero, temos Vera Lúcia só para nós. E eis que começa a contar-nos a sua história.

Um passado difícil

Nascida e criada no Bairro da Musgueira Norte, Vera Lúcia tem bem firme na sua mente uma prioridade: “preciso de garantir aos meus filhos um futuro, garantir que não passam as mesmas dificuldades que eu passei”. Oriunda de uma família pobre e humilde, afirma “saber bem o que é passar necessidades”. Sem complexos, explica que o desemprego e a doença (um caso de trissomia 21 na família, além da sua própria insuficiência renal) sempre fizeram parte da sua vida e de certa forma lhe deram a força que precisava para lutar.

Estudou até ao sétimo ano, com vontade de continuar, mas teve de começar a trabalhar aos 15 anos para ajudar a sustentar a família. Apesar de ter voltado ao estudo no horário nocturno, só obteria a equivalência ao nono ano completando o curso de cabeleireira, numa altura em que já estava receber apoio da assistente social.

“A vida dá muitas voltas”

Embora tenha vivido tempos difíceis antes de 2005, sobretudo por causa da doença e das dificuldades em pagar as contas, o pior começa a partir daí. É nesse ano que se vê atirada para o desemprego quando engravida pela segunda vez. “Estava a trabalhar num salão, quase a ficar efectiva… Hoje tenho algum cuidado, mas na altura era mais ignorante e assinei uma carta de despedimento a pensar que era uma renovação de contrato. Fui enganada pelo meu patrão e fiquei na rua, com uma mão à frente e outra atrás, como se costuma dizer. Foi um choque”.

Mas é nas piores situações que muitas vezes se encontra novas forças… e novas ideias. “Comecei a arranjar cabelos em casa, era uma forma de ganhar algum dinheiro. Comecei a bater a algumas portas, uma das que me lembrei foi cortar o cabelo aos velhinhos do Lar da Santa Casa. Sempre me dei bem com pessoas idosas”. Foi aí que conheceu o projecto Liga-te e o K’cidade da Alta de Lisboa, um projecto de mentorias com profissionais.

Um novo fôlego

resized_Cabeleireiro E-Beleza - Vera Lúcia (14)“Na altura não sabia o que era empreendedorismo, só sabia que queria lançar o meu próprio negócio. Ganhei o prémio de empreendedora do ano sem ter noção do que significava a palavra”, conta Vera com boa disposição

Conheceu o professor e empresário Manuel Forjaz, entretanto falecido, que se tornou o seu tutor. “Era uma pessoa muito simples, mas muito inteligente”, recorda a nossa empreendedora. Logo a partir da primeira reunião, em que tutor e tutoranda conversaram sobre ideias, sonhos, capacidades e obstáculos, começaram a ser desenhados alguns projectos.

O cabeleireiro E-Beleza surgiu com o objectivo de ser um negócio que pudesse, através de parcerias com privados e com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), oferecer formação remunerada a pessoas desempregadas. A ideia era desenvolver um trabalho em rede que permitisse vantagens a todas as partes envolvidas, proporcionando uma ferramenta bastante útil aos desempregados. Infelizmente, o projecto acabou por não se concretizar nos moldes previstos.

Levar o pente e a tesoura aos lares

O sonho mais acarinhado por Vera Lúcia era sem dúvida o trabalho com idosos. Não foram poucas as folgas em que “gastou” algumas horas a ir aos lares cortar o cabelo aos seniores. Sentia que podia dar formação também nesta área e ter equipas a fazer este serviço nas instituições. No entanto, a determinada altura Vera teve de escolher entre manter o salão ou continuar a ir aos lares. Acabou por ficar só com o cabeleireiro, mas afiança que “o projecto está na gaveta, apenas à espera da melhor oportunidade para saltar cá para fora”.

“Vejo as necessidades das pessoas à minha volta, dos idosos nos lares, dos doentes do Hospital Júlio de Matos, onde também já cortei cabelos. Nunca estudei geriatria, mas sei como lidar com os idosos e trabalhar a sua auto-estima, por detrás das rugas e das caras envelhecidas”, diz a empresária.

E completa: “muitas vezes pergunta-se o que os idosos precisam, mas pergunta-se aos filhos ou aos familiares. É aos idosos que temos de fazer as perguntas, é com eles que temos de falar!”.

Manuel Forjaz faleceu no dia do aniversário de Vera Lúcia. E nesse dia, um acontecimento marcou-a: “numa entrevista que ele deu antes de falecer mencionou o meu nome e o meu projecto. Entendi isso como uma mensagem muito clara para nunca desistir. Tenho o meu salão de pé e vários projectos na gaveta… não vou desistir!”.

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