Reportagem

Marchas Populares 2019: o bairro está-lhes no sangue

Nos meses que antecedem a grande noite das Festas Populares, no dia 12 de Junho, centenas e centenas de pessoas dão o litro todos os dias da semana para que tudo esteja impecável.

São dirigentes e músicos, coreógrafos e ensaiadores, figurinistas e costureiros, e claro, marchantes, que todos ou quase todos os dias se reúnem num espaço a que vão chamar casa sensivelmente entre o fim de Março e os primeiros dias de Junho.

Ensaiam dentro de quatro paredes ou ao ar livre, em instalações emprestadas por colectividades amigas e vizinhas, escolas e pavilhões geridos pelas autarquias, sempre com uma vontade férrea em dar o seu melhor em nome de um bairro ou de uma freguesia.

Sabendo que as Marchas iniciam os preparativos muito antes dos dois momentos altos e de apresentação ao público – o desfile na Altice Arena e sobretudo na Avenida da Liberdade – fomos visitar os ensaios de quatro Marchas ainda na primeira semana de Abril: a dos Olivais, a de Marvila, a da Penha de França e a de São Vicente. O objectivo era medir-lhes o pulso, conhecer as expectativas e lançar um olhar sobre este mundo dos bastidores de algo que normalmente só chega aos olhos do público já no seu produto final.

Olivais

No pavilhão da Escola Eça de Queirós encontramos a Marcha dos Olivais e o nosso amigo Carlos Santos, presidente do Grupo de Pesca e Desporto de Santa Maria dos Olivais. Os ensaios tinham começado no dia 22 de Março, com o objectivo de melhorar a marca do ano passado: um 14.º lugar em 23 concorrentes.

“Os marchantes estão a encarar bem, com energia, com vontade, até porque este ano temos um tema bastante forte, que nunca foi explorado: o Aeroporto de Lisboa, que antigamente pertencia à Portela e agora aos Olivais”, explica Carlos Santos.

O dirigente que já leva 20 anos de coordenação da Marcha garante: “Temos roupas fabulosas, com muita cor, muita vida” e não tem reservas em assumir alguma periferia em relação a outras marchas: “Há os bairros das sete colinas, os bairros mais castiços, bem entranhados no espírito das marchas. Nós somos uma freguesia diferente, mas não voltamos a cara às dificuldades e temos se calhar a motivação para esse desafio acrescido. Quem está sempre no topo motiva os outros a fazer mais para lá chegar. É assim que pensamos”.

O padrinho da Marcha dos Olivais é Paulo Battista (alfaiate, programas “Cosido à Mão” e “Você na TV!”) e a madrinha é Diamantina Rodrigues (fadista e apresentadora). Armando Tinita (“Dança Comigo”) é o ensaiador.

Marvila

No pavilhão de outra escola, desta vez no Bairro dos Lóios, encontramos a Marcha de Marvila e conversamos com Marco Silva, presidente da Sociedade Musical 3 d’Agosto de 1885.

Os ensaios começaram na semana da nossa visita, envoltos em muitas dificuldades: “Não temos espaço para ensaiar, andamos de um lado para o outro, alguns dias temos de dar folga… Não tendo espaço próprio, é um obstáculo. Claro que vamos tentar fazer das nossas fraquezas forças”, assegura o coordenador da Marcha.

Em 2018, Marvila conseguiu uma boa classificação, um 7.º lugar, mas não é um posto que o responsável considere excelente: “Tenho de lembrar que a Marcha de Marvila é a segunda com mais títulos em Lisboa, desde 1950, logo a seguir a Alfama. Temos muitos segundos lugares, e trabalhamos sempre para o primeiro”.

“Isto vai passando de geração em geração, muitos dos marchantes já tiveram os primos, pais, tios aqui na Marcha e sentem isto de forma muito forte. Marchar em Marvila não é o mesmo que marchar noutro lado qualquer, é como jogar no Benfica ou no Belenenses, é bom mas não é a mesma coisa, há uma diferença”, afirma Marco Silva, que acompanha as marchas desde pequeno. Chegou à direcção da colectividade em 2013 e é desde essa altura o responsável.

Os padrinhos da Marcha de Marvila são os actores Tiago Teotónio e Marta Fernandes. Os ensaiadores são Mariana Luís e Pedro Borralho (“A tua cara não me é estranha”, “Dança com as Estrelas”).

Penha de França

Seguimos para a Escola Luísa de Gusmão, onde ensaia a Marcha da Penha de França e onde encontramos Paulo Lemos, presidente do Sporting Clube da Penha.

Esta é uma marcha que completa este ano 30 anos. “Começou em 1989 e eu sinto de maneira especial porque fui marchante nesse ano de estreia. Sinto que há cada vez mais aquele espírito bairrista que é muito importante, também pela visibilidade que temos vindo a conquistar e pelo trabalho de qualidade que temos desenvolvido. Cada vez mais as pessoas acarinham a marcha do seu bairro, colaboram muito connosco e tornam este bairro mais activo e dinâmico”, explica Paulo Lemos.

O responsável adianta que as expectativas são sempre as melhores: “fazer um trabalho que honre o bairro, que os marchantes fiquem satisfeitos e fazer algo diferente do que fizemos no ano anterior. Depois é sonhar. Já conseguimos um segundo lugar, um dia vamos chegar ao primeiro!”.

Também revela que não existe nenhuma rivalidade com a Marcha do Alto do Pina, nem num lado, nem no outro: “São duas marchas a concurso, que vão fazer o melhor para si próprias, dentro de uma competição com outras duas dezenas de marchas. A rivalidade é sadia e faz parte, nada mais que isso!”.

O padrinho da Marcha da Penha de França é o actor Rui Andrade e a madrinha é a cantora Salomé Caldeira (“The Voice Portugal”). O ensaiador é José Carlos Mascarenhas. O ano passado, conquistaram o 4.º lugar.

São Vicente

O nosso último ponto de paragem é a Voz do Operário, onde falamos com Bruno Santos, responsável pela Marcha de São Vicente e presidente da Academia Recreativa Leais Amigos.

“Está a correr bem, é mais um ano em que nos estamos a preparar para esta grande aventura. Claro que quando começa há menos pressão, ansiedade e nervosismo; à medida que nos formos aproximando da data, vão aumentando”, resume o responsável. Em 2018, a Marcha ficou em 6.º lugar.

No campo de jogos observamos cerca de 50 marchantes com faixas etárias díspares, mas sobretudo jovens, que vão sendo “chamados à atenção” para manter os níveis de concentração altos no ensaio.

“Puxar o orgulho bairrista é uma coisa que acho que acontece em todas as marchas. Mais importante que sermos um bairro central, é sermos o bairro do padroeiro da cidade, uma coisa que muita gente esquece. São Vicente é o real padroeiro de Lisboa, somos um bairro histórico, uma colectividade já centenária e estamos no meio de outros bairros históricos, como Graça, Mouraria, Alfama, Castelo, Penha e Alto do Pina mais acima… Há uma competitividade muito saudável e enraizada naquilo que é nosso. Não tenho 50 marchantes de São Vicente, mas as marchas também são isto: ter aqui pessoas a dar tudo pelo bairro que moram na margem Sul ou em Alverca. O bairro está-lhes no sangue”, atira Bruno Santos, ligado à Marcha desde 1995 e coordenador desde 2010.

Quanto às expectativas, ouvimos novamente dizer que são “as melhores possíveis”: “Estamos contentes com o que projectámos e estamos a pôr em prática. Isto é por etapas, estamos agora a concretizar o projecto coreográfico e vai ficar com certeza fantástico”.

O padrinho da Marcha de São Vicente é o actor e dobrador Jorge Mourato e a madrinha é a actriz Inês Aires Pereira. A ensaiadora é Sofia Pereira.

Será mais ou menos assim nas outras 20 marchas do concurso: uma intensa preparação e muito suor para que tudo esteja pronto em Junho. Sob o tema geral “Santo António de Lisboa e do mundo”, todas vão brilhar na Avenida, e nós lá estaremos mais uma vez. A todas elas desejamos boa sorte!

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