Reportagem

Fomos conhecer os Vizinhos das Avenidas Novas

Percorremos a Freguesia com os coordenadores do grupo de Vizinhos das Avenidas Novas, tentando perceber os problemas mais agudos a afectar a vida de quem lá mora.

Estacionamento, património, policiamento, ruído, cerveja a mais, árvores a morrer, habitação. Em linhas grossas, são estas as preocupações no topo da lista quando ouvimos os porta-vozes de um movimento que fará dois anos no dia de Santo António, 13 de Junho.

Com quase dois mil membros, é mais um caso dos grupos de cidadãos que “saíram do sofá” e decidiram fazer uso das ferramentas hoje ao dispor de todos para influenciar a tomada de decisão em relação aos mais variados assuntos. Reforça-se a democracia, aumenta-se o grau de participação cívica e contribui-se para uma cidade melhor, pelo menos assim o esperam os seus membros.

Rui Barbosa e Maria Filipa Rodrigues são os coordenadores do Grupo e caminhámos com eles ao longo de uma hora. Rui é consultor de sistemas de informação, vive nas Avenidas Novas há 14 anos; Filipa é engenheira na área das telecomunicações e já é freguesa há 33 anos. Andam a pé para todo o lado, conhecem o mapa da Freguesia de uma ponta à outra.

Começam por nos explicar que os Vizinhos das Avenidas Novas gostam de ter boas relações com todas as entidades: “Queremos conseguir as coisas por influência, não por entrar em conflito. Recorremos às ferramentas a que temos de recorrer só quando a via do diálogo se esgota. Temos regularmente reuniões com a Junta, com a Câmara, EMEL, Polícia Municipal… Este é o nosso estilo, pouco confrontacional”, resume Rui Barbosa.

Internamente, o debate faz-se não só através da participação de cada membro no site ou no Facebook, mas também em reuniões periódicas, normalmente trimestrais, com cerca de 10 elementos, para definir as prioridades e os problemas que merecem maior atenção. As mais recentes incidiram sobre o estacionamento e o policiamento.

“Está por cumprir uma promessa de criação de bolsas de estacionamento em torno do chamado eixo central”, apontam os nossos interlocutores. “Não queremos um lugar por cada morador, mas achamos que os interesses dos moradores também merecem ser tidos em conta. Dos 370 mil veículos que entram todos os dias em Lisboa, a maioria passa por aqui e muitos acabam mesmo por ficar”, explicam os responsáveis. “Também gostávamos que houvesse fiscalização efectiva das bolsas de estacionamento exclusivo para residentes. Nem a EMEL, nem a Polícia Municipal estão atentas a isso, ninguém intervém”.

Cerveja, património, árvores secas, insegurança

Mas há muito mais na agenda. A começar pelo “cervejódromo” do Jardim do Arco do Cego, um problema que afasta os moradores daquele espaço, que cria lixo, cheiro a urina, que provoca ruído. Há outros focos de consumo exagerado de álcool e permanência de pessoas no período nocturno, mas o Jardim do Arco do Cego é o paradigma.

Há a questão do património, em que o grupo tem intervindo no sentido de “evitar que mais prédios venham abaixo, porque se trata da destruição de património, da própria memória desta Freguesia”, refere Rui. “Não é uma luta fácil: são muitas entidades envolvidas, não temos advogados para olhar para as obras e os projectos, muitas vezes quando temos conhecimento já são actos consumados… Uma situação que nos desagradou muito foi o jardim da Fundação Agá Khan que foi completamente arrasado para criar um acesso ao parque de estacionamento”.

“Preocupa-nos a falta de manutenção das árvores”, acrescenta Filipa Rodrigues. “Foram plantadas centenas, mas tememos que a rega seja insuficiente e a manutenção ainda mais deficiente. Plantar árvores e deixá-las morrer ainda faz menos sentido que não plantar de todo”. Numa Freguesia que pode gabar-se de possuir uma significativa mancha verde, apesar de toda a área edificada, com espaços que vão desde o Parque Eduardo VII e do Jardim da Fundação Gulbenkian a outros mais pequenos como o Jardim Amélia Carvalheira, esta é uma questão sensível.

Outra questão premente é a da segurança. Os moradores queixam-se de falta de policiamento. “Não temos esquadra, apesar de estar prometido que ela volte. Está previsto que a Praça de Espanha possa vir a ter uma. Neste momento, somos servidos pela Esquadra da Penha de França, mas os agentes vêm de autocarro e demoram 45 minutos a chegar. Temos a Esquadra do Palácio da Justiça bem perto, mas não serve a nossa Freguesia. Já houve uma petição nesse sentido, que chegou à Assembleia da República, mas não vimos até agora resultados práticos”, lamentam os coordenadores.

Uma nova Marcha Popular?

Na nossa conversa, outros problemas são abordados: a acumulação de lixo, sobretudo onde há maior concentração de restaurantes, os elevados preços das rendas, a proliferação de estabelecimentos de alojamento local, a barreira física que divide a Freguesia, marcada pela linha do comboio.

O objectivo de esbater essa fronteira leva-nos a falar sobre projectos. Os Vizinhos gostavam de contribuir para a criação de uma Marcha das Avenidas Novas. “Gostávamos imenso de dinamizar n’Os Económicos este projecto, para fomentar uma identidade não só bairrista mas extensível a toda a Freguesia”. Rui e Filipa referem-se ao Grupo Excursionista Os Económicos, fundado em 1938 e que ocupa o n.º 115 da Rua da Beneficência, no Bairro de Santos ao Rego. Outro passo na integração das várias latitudes da Freguesia poderia vir com a transformação de uma das linhas férreas numa espécie de linha adicional do Metro, aproveitando os apeadeiros como o do Rego e ligando o Oriente a Alcântara.

Outro projecto na calha, já conversado com o pelouro da Mobilidade da CML, é a realização de um evento de espaço público, “em que fechássemos uma rua durante um dia e as famílias pudessem trazer as suas crianças para a rua para brincar, fazer jogos, estar e conviver”.

Na pasta das iniciativas bem-sucedidas estão assuntos como a plantação de árvores no Bairro de Santos ao Rego, em parceria com a Associação Lisboa Verde, o envio de documentos com as ideias e votações dos Vizinhos por exemplo para o projecto da Praça de Espanha, ou no âmbito da discussão pública do regulamento da Higiene Urbana, entre muitos outros temas. Um dos primeiros abaixo-assinados do movimento foi relativo a um restaurante que vendia cerveja barata até altas horas da noite, que se conseguiu que fechasse mais cedo. Seria bom conseguir o mesmo grau de influência por exemplo na questão relativa à EB1 de São Sebastião da Pedreira, ou outros temas actualmente no topo das preocupações dos Vizinhos.

Num desafio final, perguntamos a Rui e Filipa o que os leva a «perder tempo com isto». Filipa é a primeira a responder: “Para tentar melhorar a nossa vida, o espaço à nossa volta, e depois muito por voluntarismo e carolice”. Rui evoca o “interesse pela política, não a partidária, que não queremos, mas a participação na comunidade, o sentido da polis. Trabalhei fora algum tempo, conheci cidades com uma outra qualidade de espaço público e sem o nosso clima, pensava que seria óptimo conseguirmos melhorar o nosso espaço público e fruir realmente do clima que temos. E quando resolvemos um problema, vamos ficando a par de outro, e de outro…”.

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