Reportagem

Casa de Santo António: a produzir diamantes desde 1931

resized_casa-de-santo-antonio-1Visitámos a Casa de Santo António e ficámos a conhecer uma instituição que desde a década de 30 tira mães adolescentes da rua, ensina a cuidar dos seus bebés e a definir um rumo para a sua vida. Lembramo-nos logo da música “Os Tais” e pedimos emprestada a metáfora de Carlão: “produzimos diamantes”!

No número 2 da Calçada das Necessidades, um painel de azulejos identifica o edifício cor-de-rosa que se entrevê após a porta de entrada: “Casa de Protecção e Amparo Santo António”. Mais abaixo, a inscrição “Fundada em 1931” dá conta das décadas que a instituição já atravessou, sem vacilar na sua missão de apoio a quem está mais vulnerável: as mães adolescentes e os seus bebés.

Conversámos com Ana Nobre, directora técnica da instituição, e ficámos a conhecer a Casa das Mães, a Casa das Crianças e a Casa dos Sabores, as três valências que dão corpo à Casa de Santo António.

A história, desde o princípio

A instituição nasce da vontade do Dr. Pedro da Cunh a, na altura director da Maternidade Alfredo da Costa, pessoa sensível às questões relacionadas com a maternidade e a inclusão social. “O nosso fundador deparou-se com uma situação em que as mães recorriam aos serviços da Maternidade para ter os seus bebés, mas quando lhes era dada alta pediam encarecidamente para não saírem porque não tinham para onde ir”, explica Ana Nobre, que trabalha na Casa há 12 anos. “Estamos a falar de uma altura em que ser mãe solteira era motivo de exclusão na sociedade; estas jovens eram muitas vezes rejeitadas pelas próprias famílias e quase apontadas pelas pessoas nos sítios onde viviam. Saindo da maternidade viam-se com um filho a braços, sem trabalho e sem ter quem as recebesse”.

Como era homem de recursos, Pedro da Cunha disponibilizou um apartamento vago na Rua de Buenos Aires, onde começaram a ser acolhidas as tais “mães solteiras”. Aí viviam com os seus bebés e eram preparadas para servir como empregadas internas, graças aos contactos do seu benfeitor. A obra foi de tal maneira divulgada que rapidamente se viu incapaz de responder aos pedidos que chegavam de todo o país.

resized_casa-de-santo-antonio-27A mudança para a Calçada das Necessidades dá-se graças a uma cedência de instalações por parte da Santa Casa: “Na altura era um edifício completamente diferente, os quartos eram camaratas com beliches e as crianças frequentavam as Oficinas de São José, os Salesianos. As mães faziam trabalhos de costura, engomavam, chegaram a bordar muitas peças para os enxovais do Duque de Bragança… Também se começou a fazer umas comidinhas, a servir chazinhos e bolos para os convidados, e assim começou o que pretendia ser uma fonte de financiamento”.

A Casa das Mães

À data da nossa reportagem, nos primeiros dias de Novembro, a Casa das Mães acolhe 24 utentes. “Todas as jovens que chegam a esta Casa chegam encaminhadas pelas instituições ou pelos tribunais, quase todas menores de idade, embora também recebamos a título excepcional raparigas até aos 21 anos. Têm todas elas medidas de promoção e protecção. Garantimos o seu sustento, as suas necessidades e o seu bem-estar, acompanhando-as 24 horas por dia”, esclarece a directora.

As mães podem permanecer até três anos; nesse período, é trabalhado um projecto de vida adaptado a cada caso, que pode passar pela autonomização ou pela integração num agregado familiar de referência das jovens. “Durante o tempo em que cá estão, tentamos trabalhar com elas a relação mãe-filho, ajudá-las nas dificuldades que apresentam e em tudo o que ainda não sabem fazer. Quando surgem situações que exigem uma intervenção mais profunda, são encaminhadas para respostas externas, quer seja acompanhamento psicológico, psiquiátrico ou pedopsiquiátrico, consultas de especialidade, etc.”, aponta Ana Nobre.

“Paralelamente, tentamos que retomem os estudos, porque a maioria são menores de idade que abandonaram a escola, com graves problemas de assiduidade e motivação escolar. Os casos que aqui chegam são quase sempre muito complicados. Temos de ver que as instituições são a solução de último recurso, quando tudo o resto já falhou. Estas jovens trazem um passado muito pesado com elas. Não é uma população fácil e o trabalho diário é um desafio constante”.

resized_casa-de-santo-antonio-16Quando fala em “passado pesado”, Ana Nobre refere-se a casos de violação, por vezes abusos sexuais de familiares das jovens, ou a casos de famílias destruídas por histórias de prostituição ou droga. Nestas situações, as jovens mães precisam de acompanhamento para ajudar a sarar as feridas e ultrapassar os traumas.

Quando perguntamos que idade tinha a mãe mais jovem que já passou pela Casa, a directora aponta os 11 anos, referindo que, apesar de tudo, é um caso raro. Mas a média não fica muito distante: a maioria das jovens acolhidas foi mãe aos 15 ou 16 anos, e não passou do 5.º ou 6.º ano de escolaridade. Todas vêm de famílias disfuncionais.

Ali aprendem um pouco de tudo: a dar o biberão, a mudar fraldas e a medir a febre do bebé; a cozinhar, a passar a roupa a ferro, a fazer a cama, a gerir o seu tempo e o seu dinheiro. São incentivadas em coisas tão simples como levantar-se da cama para ir para a escola e desenvolvem competências que mais tarde facilitem a autonomização. Também aprendem sobre primeiros socorros, resized_casa-de-santo-antonio-20pequenos acidentes das crianças, as doenças mais comuns na primeira infância, os seus sinais e o que fazer; como lidar com as birras, a importância das regras e dos limites na educação dos seus filhos, e ainda temas diferentes, como o alerta para os perigos da internet.

Por outro lado, a instituição procura desenvolver uma ligação ao mundo exterior: “Também tentamos que estejam atentas ao mundo lá fora, que conheçam monumentos, museus, que vejam filmes, que vão a concertos, que passeiem com os filhos. No outro dia conseguimos bilhetes para verem o Panda e os Caricas, elas adoraram!”, recorda a directora.

A Casa das Crianças e a Casa dos Sabores

Atravessando o pórtico que dá para um pequeno jardim enquadrado por uma fonte, encontramos a Casa dos Sabores, e mais adiante a Casa das Crianças. Somos guiados nesta visita por Helena Homem de Barros, coordenadora que está na Casa há sensivelmente três anos.

Hoje em dia, são funcionárias que cozinham as especialidades da Casa dos Sabores. Talvez os pratos de bacalhau sejam a iguaria mais apreciada pelo público. Ouvimos dizer que o perú do Natal tem muita saída, além dos mais variados doces e sagados… Ficamos a saber que, além da comida que serve a cantina local, qualquer pessoa pode levar uma refeição e ajudar esta causa. Para tal, basta ligar ou enviar um e-mail pelos contactos disponíveis no site ou fazer a encomenda na Loja online. Tudo isto em www.casasantoantonio.org.pt.

A Casa das Crianças, ao fundo do relvado, não só acolhe todas as crianças cujas mães estão institucionalizadas, mas também está aberta ao exterior. Acaba por servir uma função de viabilidade económica de toda a Casa de Santo António.

resized_casa-de-santo-antonio-26Curiosidade: entre as funcionárias da Casa dos Sabores e da Casa das Crianças, já com 30 anos de casa, encontram-se antigas mães acolhidas pela instituição!

“Algumas mães visitam-nos mais tarde, aparecem sem avisar. É bom saber que constituíram as suas famílias, que encontraram trabalho, conseguiram estabelecer-se e ter uma vida que consideraríamos normal”, desabafa Helena.

“Temos a sorte de ter uma equipa que se identifica plenamente com a missão da Casa. É mesmo um «vestir a camisola»! São pessoas que querem ajudar e contribuir para melhorar a vida destas mães e destas crianças”, refere Ana Nobre. “Há mães que aproveitam mais e mães que aproveitam pouco. Felizmente, os casos de mães que aproveitam a sua estadia aqui superam muito os casos das que não aproveitam. Esses casos deixam-nos muito realizadas e motivadas a dar o nosso melhor”, completa.

Concluímos a nossa visita desejando “boa sorte” às jovens com quem nos cruzámos: Dorinela e a sua pequena Mara, Miriam e a sua pequena Mellanie. Aqui estão mais quatro diamantes, mães e filhas, em busca de um futuro risonho.

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