Reportagem
Lisboa Navigators pentacampeões depois de época invicta
Apesar de certamente desconhecido pela maior parte dos portugueses, o futebol americano vai dando os seus passos no caminho do desenvolvimento gradual e cativa cada vez mais adeptos e praticantes. Fomos conhecer os Lisboa Navigators, a equipa vencedora do campeonato nacional.
A grande final do campeonato disputou-se em Abrantes no dia 31 de Maio, opondo os Lisboa Navigators aos Maximinos Warriors. Depois de mais uma época invicta, a equipa lisboeta, vencedora da Zona Sul, venceu a equipa bracarense, vencedora da Zona Norte, por contundentes 34-7.
Este é apenas mais um capítulo da história que os Navigators vão escrevendo a letras de ouro desde a criação do campeonato nacional. A quinta edição teve o mesmo desfecho das quatro anteriores, com a vitória da equipa que fixou sede há um ano nas instalações do Vitória Clube de Lisboa. E a parceria é para manter, até porque os Navigators tencionam apostar na formação e em projectos que envolvam a comunidade local…
História de um clube vencedor
Os Lisboa Navigators surgem em 2007, formados por jogadores dissidentes dos Crusaders, a segunda equipa de futebol americano a aparecer em Portugal, à procura de um novo patamar de exigência e rigor competitivo.
E assim competiram na segunda divisão espanhola, uma vez que em Portugal não havia campeonato. Logo no segundo ano da sua história, alcançaram a meia-final, perdendo no terceiro prolongamento, portanto com um sabor muito amargo. Essa experiência foi muito importante porque permitiu ganhar um ritmo competitivo decisivo para vencer em Portugal. E os resultados estão à vista: apenas uma derrota em cinco temporadas.
Há cinco anos surgiu a Liga Portuguesa de Futebol Americano e com ela o campeonato nacional, que hoje conta com 10 equipas, incluindo uma galega (os Santiago Black Ravens).
Procurámos descobrir com Bruno Settimelli, presidente dos Lisboa Navigators, as razões do sucesso desportivo da equipa. “Encaramos sempre os embates com uma confiança cautelosa”, explica o jogador e dirigente. “Podemos ganhar tudo até chegar à final, mas se perdermos a final perdemos a época toda. Daí a emoção especial desta modalidade”.
Todos os anos são feitas captações, normalmente em Setembro: “Captamos sempre alguns jogadores e fechamos o plantel com 65/70 atletas”. Entre desistências e lesões, chegam a Março 50 a 60 atletas activos. É um desporto de muito contacto: “Este ano tivemos bastantes lesões, sobretudo ao nível dos joelhos”, conta Bruno Settimelli.
E que jogadores são estes? Para começar, são das mais diversas nacionalidades: além dos africanos (cabo-verdianos, angolanos e moçambicanos), há ainda dois alemães e três americanos. Estudantes universitários, militares, trabalhadores, desempregados, existe de tudo um pouco no plantel.
Bruno Settimelli lembra que “o futebol americano tem uma vantagem, que é dar para qualquer tipo de fisionomia; gordos, magros, mais atléticos, menos atléticos… conseguimos abranger e encaixar todo o tipo de atletas, ninguém está afastado à partida”. E se mesmo assim sobrarem dúvidas, vejamos: alguns jogadores pesam 60 quilos, outros 130!
Um caso curioso é o dos três jogadores americanos do plantel, o máximo de americanos que os regulamentos permitem numa equipa. Pai e filhos pisam o mesmo campo e partilham o uniforme, numa experiência nova para todos. Os dois irmãos, com 16 anos, só podem jogar porque o pai autoriza, senão só o fariam a partir dos 18.
J. Piper, de 41 anos, conta ao nosso Jornal que a família reside actualmente em Lisboa por causa do emprego da sua esposa. Enchendo o campo daquele inglês americano que estamos habituados a ouvir na televisão, J. Piper é um dos mais animados do grupo.
“Como bons americanos, os meus filhos jogam desde os 6 anos. Eu jogo desde os 10”, conta J. Piper. Nestes 30 anos contam-se as experiências do desporto no secundário e na faculdade, mas também sete anos como semi-profissional e mais dois no futebol americano de arena, uma variação da modalidade existente nos EUA.
“O que nós trazemos à equipa é o conhecimento de formação: alguns exercícios, a técnica básica…”, explica o jogador. “É incrível partilhar o campo com os meus rapazes. É um sonho tornado realidade, com esta idade!”. Quando lhe perguntamos se é muito exigente com os filhos, J. Piper responde de imediato: “sou o mais exigente de todos!”. Quanto aos Navigators, descreve-os como “concentrados” e “determinados”.
Um engenheiro químico que é linha defensivo
Filipe Campos, 26 anos, terceiro ano nos Navigators. Soube das captações no início dessa temporada e conseguiu entrar, concretizando um sonho que alimentava desde criança e dos tempos em que começou a ver jogos do Superbowl na televisão.
Recém-formado em Engenharia Química, ainda não exerce porque procura emprego, estando a dar explicações em part-time. A família apoia a prática da modalidade a 100%: “ao princípio acharam estranho, por ser um desporto que não conheciam”, revela Filipe Campos. Mas acabaram rendidos ao desporto, tanto que agora são presença assídua nas bancadas, particularmente a namorada e o pai.
Descreve o grupo como “muito unido, apesar de muito grande”, cheio de boa disposição e espírito de entre-ajuda: “todos temos uma personalidade diferente, somos todos malucos… no bom sentido”.
Rumo definido: o crescimento da modalidade em Portugal
Bruno Settimelli é rápido a dissipar quaisquer semelhanças aparentes entre o futebol americano e o rugby: “têm apenas duas coisas em comum: a bola é parecida e têm postes. De resto, nada coincide. Até a técnica de contacto é distinta!” aponta, entre risos.
Apresentando o futebol americano como “um jogo muito estratégico, que passa por conceber antecipadamente a jogada”, o jogador e presidente identifica um dos benefícios da fixação nas instalações do Vitória Clube de Lisboa: “uma grande vantagem é observar o jogo a partir de um ponto elevado. Como a maior parte das jogadas é concebida para esconder a movimentação dos jogadores e para onde vai a bola, o público perde muito se vir a partida ao nível do solo. Aqui no Vitória temos uma bancada, o que é um grande bónus para os nossos adeptos”.
De resto, o único obstáculo ao desenvolvimento do futebol americano em Portugal é a pouca visibilidade. Amílcar Piedade, presidente da Liga e treinador principal dos Lisboa Navigators, concorda, e acrescenta que “é difícil promover a modalidade porque não há ainda formação”. A Federação é um projecto que “está para breve” e que “irá impulsionar fortemente a divulgação” deste desporto. Mas o dirigente confessa que o desaparecimento do futebol americano da televisão e o facto de só estar disponível na internet não ajudam.
Verdadeiras cheerleaders “à americana”
Um grupo que não passa despercebido em qualquer jogo dos Lisboa Navigators é o das suas cheerleaders. Patrícia Nisa é a capitã deste grupo de oito autênticas ginastas que animam as hostes no decorrer das partidas. Depois de quatro anos nos EUA, onde viveu e estudou porque era aí que o pai trabalhava, Patrícia chegou a Portugal cheia de vontade de iniciar uma equipa de cheerleading. Contactou os Navigators, que gostaram da ideia, e organizou treinos de captação de novos elementos, fazendo do clube a única equipa com cheerleaders em Portugal. Da lista de exercícios treinados constam palavras certamente desconhecidas para a maioria: sidelines, stunts, jumps. “Isto não tem nada a ver com o que as pessoas associam habitualmente às cheerleaders”, diz a capitã. “Os nossos exercícios são muito mais ginástica e acrobacia do que dançar e mexer os pompons!” conclui, divertida.
Boa sorte!
Com um registo praticamente imaculado, um grupo coeso e uma filosofia direccionada para as vitórias, os Lisboa Navigators têm tudo para se manter na senda do sucesso. A estabilidade da equipa, proporcionada pela manutenção de um núcleo duro que envolve jogadores e direcção, assim o garante. Boa sorte, Navigators!