Reportagem

Feira da Ladra: o maior mercado de Lisboa

Terá nascido no século XIII e já ocupou vários locais na cidade de Lisboa. Ainda é o que era? Feira da Ladra continua a ocupar um lugar especial no imaginário dos lisboetas e atrai cada vez mais turistas.

Em vez de entrarmos pelo Arco de São Vicente, junto à Igreja de São Vicente de Fora, que é o percurso que os guias recomendam aos turistas, começamos ao contrário: entramos no recinto pelo “lado de baixo”, vindos da Rua do Mirante.

Para os incautos que passeiem na zona sem saber ao que vão, será uma surpresa engraçada mergulhar de repente no “mundo aparte” (para usar uma expressão que ouvimos da boca de um feirante) que o Campo de Santa Clara proporciona em dia de Feira da Ladra. De um momento para o outro, o peão vê-se rodeado de mantas estendidas no chão, bancas montadas, tendas e toldos, repletos de – literalmente – todo o tipo de objectos e utensílios.

Consta que a Feira da Ladra já passou, em tempos idos, pelo Castelo, pelo Rossio, Praça da Alegria, Campo de Santana… E qualquer pesquisa na internet lhe dirá que se fixou em 1882 no Campo de Santa Clara, onde tem lugar à terça-feira e ao sábado, do nascer ao pôr-do-sol.

Aqui, encontramos “O Rio Triste” de Fernando Namora ao lado de uma miríade de livros de auto-ajuda e esoterismo. Encontramos DVD’s do Shrek e as comédias românticas do típico domingo à tarde na tv portuguesa, junto a um vinil do Roberto Leal em início de carreira. Que tesouro!

A lista continua: volantes velhos, espelhos de todos os tamanhos, brinquedos de criança, soutiens de senhora, roupa e calçado de todo o tipo, quinquilharias e velharias, vasos, pratos, copos, talheres, candeeiros, relógios, chaves, molduras, azulejos, bugigangas (à falta de melhor termo), perfumes, estatuetas e máscaras africanas, cachecóis dos maiores clubes portugueses e da Selecção Nacional, quadros, enciclopédias… e uma caixa que diz “as fraldas do Luís Miguel”.

Não espreitamos para ver se lá dentro estavam de facto as fraldas do Luís Miguel. Há coisas que são mais engraçadas se não matarmos a curiosidade!

Para os amantes da BD há Banzai, A Turma da Mónica, O Incrível Hulk, Tio Patinhas… O mundo dos livros é um universo próprio dentro do universo da Feira da Ladra, sobretudo por via dos alfarrabistas nas lojas exteriores do Mercado de Santa Clara, mas não só.

É nesta parte do recinto que se encontram os antiquários, com uma panóplia de móveis, cadeiras, quadros, espelhos e instrumentos antigos a dar um outro ar – mais sofisticado – ao Largo de Santa Clara. Por dentro, a imagem é um pouco mais pobre. O Mercado tem um ar pouco dinâmico, apenas ocupado por uma ou duas bancas e um restaurante.

Enquanto passeamos, uma banca só de Fado atrai os turistas que passam. As pessoas passeiam, regateiam, mexem, observam. Os fiscais da Câmara percorrem as bancas e falam com os feirantes, cumprindo o seu trabalho com boa disposição.

Ouve-se ciganos a cantar, Fado, pessoas a falar em várias línguas, sobretudo os espanhóis que, perdoem-nos o comentário tipicamente português, gostam de falar muito alto por onde passam. Um grupo de turistas ouve com atenção o que lhes diz o guia português. Confirma-se, entraram pelo Arco de São Vicente.

O que nos dizem as pessoas

Alex e Esther vêm da Holanda. Por enquanto, e apesar de estar sol, ainda não estão vermelhos. Contam-nos que ficam em Lisboa por cinco dias, sem filhos. “Estamos a ver as vistas, a percorrer os bairros, à procura de boa comida e da experiência de Lisboa”, afirmam num inglês fluente. Encontraram a Feira da Ladra por acaso e resolveram procurar souvenirs para levar no voo de regresso. Contam-nos que em princípio voltarão numa próxima oportunidade, já com os filhos. Desta vez vieram para aproveitar uma pausa no trabalho, porque não podem ter o seu restaurante fechado.

Despedimo-nos e avisamos para terem cuidado com os carteiristas. Já sabiam, pois claro.

Lara Domingos, 25 anos, é a jovem feirante que lhes vendeu as recordações de Lisboa. “Já venho à Feira da Ladra desde os 8 anos! Vinha com os meus primos. Comecei a trazer as coisas da minha avó quando ela faleceu, uns anos mais tarde. De início, a minha mãe não achava muita piada, mas lá se rendeu quando percebeu que conseguia juntar algum dinheiro. Comecei ali mais para baixo, ao pé do Panteão, depois passei para a parte de cima do Mercado de Santa Clara, e agora estou aqui com este lugar fixo [de um dos lados do Mercado]”.

Deolinda Martins, 74 anos, mora nos Olivais e vem à Feira da Ladra desde que morava perto, ainda na sua juventude. Gosta da Feira, mas confessa que gostava mais do antigamente: “Agora vê-se muitas coisas modernas, iguais aos outros sítios, acaba por não ter assim tanta coisa de especial como tinha antes. Mas continuo a vir aqui porque gosto de falar com pessoas que sabem daquilo que estão a vender. E gosto muito de coisas antigas!”.

Constança, “40 e poucos”, traz três livros debaixo do braço, sobre Filosofia. Diz-nos que gosta muito de cá vir, embora fique uns tempos sem o fazer. Quando vem, pensa para si própria que desta vez não vai levar nada, “só pela experiência”, mas acaba por “levar sempre qualquer coisa, nomeadamente livros, que são a minha grande paixão”.

André Martins está a tirar fotografias ao mural pintado pelo artista André Saraiva quando nos aproximamos, e comenta que “ficou fantástico”. Partilha as fotografias com amigos pela rede social Whatsapp e vai fazer uma publicação mais tarde no Instagram. Dizemos-lhe que o EXPRESSO do Oriente esteve presente na inauguração. Ele não, só soube do mural de azulejos uns dias depois.

Ao longo do nosso percurso, pedimos a várias pessoas que utilizassem uma ou duas palavras para descrever a Feira da Ladra. Ouvimos de tudo, desde as mais expectáveis, como “um mundo aparte”, “uma confusão engraçada”, “uma feira normal”, a outras mais originais, como “selva”, “espelho mágico” e até “o amor da minha vida”!

Já lá vão oito ou nove séculos. O maior mercado de Lisboa continua a fervilhar de vida. Vale a pena uma visita! Nem que seja só pela experiência…

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