Reportagem

Naufrágio na Costa de Caparica: coragem salva quatro pessoas

resized_peixe Luís AlmeidaLuís Almeida fazia o seu treino habitual, correndo no areal da Caparica por volta da hora do almoço. Aquilo que aconteceu a seguir vai marcá-lo para sempre.

O dia 3 de Novembro, terça-feira, parecia ser igual a tantos outros. Num início de tarde cinzento, pouco passava das 13h30 e Luís Almeida treinava para a Maratona do Porto no seu local de eleição: o areal da Costa de Caparica. Parava apenas para tirar fotografias como as que acompanham este artigo: os pescadores, o tractor a puxar as redes, as gaivotas, o pescado ainda a saltar, debatendo-se em piso seco…

Já estava na etapa do regresso quando começou a ouvir gritos desesperados de socorro, mais insistentes à medida que se aproximava… “Reparei que estava um barco voltado à tona da água, acelerei a passada e percebi que havia pessoas em apuros”, narra este chefe dos serviços prisionais, de 54 anos. Quando chegou ao local onde se concentravam algumas pessoas (pescadores e algumas mulheres), disseram-lhe que estavam quatro homens no barco. “Ajudei alguns locais a puxar a corda do barco para terra até que resolvi entrar na água para procurar avistar algum dos pescadores [naufragados]. Conseguimos tirar os indivíduos para fora, para areia firme, e eu ia voltando ao barco para repetir o processo…”.

Saber-se-ia mais tarde, pela Polícia Marítima, que se tratava de uma embarcação de pesca de arte xávega, possivelmente naufragada devido a uma falha no motor quando tentava ultrapassar a zona de rebentação, ainda na saída para o mar.

Quando os quatro pescadores já estavam em segurança no areal, Luís Almeida procedeu a técnicas de reanimação no que lhe estava mais próximo, colocou-o na posição lateral de segurança e aplicou massagens abdominais com compressões até o obrigar a expelir a água e areia que tinha engolido. Passou a outro indivíduo e repetiu o processo. Foi neste período que chegou a Polícia Marítima. “A primeira a chegar foi a agente Carla Golaio, que perguntou se eu tinha conhecimentos de técnicas de salvamento e agradeceu a minha colaboração”, conta o nosso amigo, residente na Charneca de Caparica.

resized_Luís Almeida (4)Uma desgraça que não chegou a acontecer

“O cenário quando olhava à minha volta era desolador: corpos no chão, na maioria nus, as pessoas desesperadas, a agente a mobilizar os meios pelo telemóvel, não havia cobertores para cobrir os pescadores em hipotermia… Comoveu-me ver uma pessoa a oferecer a roupa que tinha no corpo para aquecer as vítimas”. A nudez dos pescadores naufragados explica-se pelo transtorno que as roupas causam a quem tenta nadar debaixo de água. Os oleados e as botas altas tornam-se um obstáculo à sobrevivência…

Já com os Bombeiros de Cacilhas e da Trafaria e o INEM no local, com muitos aparelhos na areia, Luís Almeida prestou apoio esclarecendo o que se tinha passado e ajudando a estabelecer o perímetro de segurança, que na altura foi “um círculo na areia desenhado com o pé”.

São pouco mais de 30 minutos que dificilmente sairão da memória dos intervenientes. “Quando vi o barco virado ao contrário, pensei que estava ali uma desgraça”, afirma Luís, emocionado. “Esqueci-me de tudo, corri, fui para dentro de água. Naquela altura a pessoa não pensa em si própria, qualquer um teria feito o mesmo. Só pensava que estavam homens ali debaixo de água. Olhei para as vagas fortes e aquilo meteu-me respeito, mas tinha de ser”.

Depois do momento crítico, prosseguiu o treino “com uma sensação de vazio”… mas com um sentimento de dever cumprido!

Com os olhos ainda reluzentes da comoção, Luís termina: “Vamos ao supermercado, compramos peixe, comemos à vontade e nunca pensamos nos riscos que corre aquela gente. Gostava de voltar a ver os pescadores, de falar com eles, de lhes dar um abraço e saber que estão bem”.

Tudo indica que sim, depois de terem recebido alta no Hospital Garcia de Orta, em Almada. Vivem hoje graças ao esforço dos que se aventuraram no mar e das equipas de socorro. Entre eles este nosso corajoso amigo!

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