Dossier

A vida nas mãos

Durante 11 dias, Fernando Santos, um cego de 35 anos, testou a acessibilidade dos sites portugueses. No total consultou cerca de 200 endereços de empresas, órgãos de comunicação social e portais da Administração pública. No Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos será que a experiência revelou que a igualdade é um direito acessível a qualquer cidadão?

Imagine que vive num mundo onde impera a escuridão. Terá então de fazer uso dos seus quatro sentidos para ultrapassar barreiras e viver num país ainda pouco adaptado à deficiência, seja ela qual for. A igualdade de oportunidades torna-se um bem essencial. Por isso, quando lançaram o desafio a Fernando Santos, de se fechar num apartamento em Lisboa e testar o grau de info-inclusão para saber se um cego consegue fazer a sua vida recorrendo apenas à internet, não pensou duas vezes: “Aceitei de imediato, porque acredito que com este estudo podemos sensibilizar quem publica e constrói web sites para a acessibilidade neste meio”.
Onze dias depois, Fernando Santos confessou ao EXPRESSO do Oriente a sua surpresa. Com o seu computador portátil, dotado de um programa informático específico para invisuais, que lê com sotaque brasileiro toda a informação do site presente no monitor, Fernando Santos encomendou o almoço que chegou no dia seguinte, comprou flores para a mulher e um livro para filha; uma máquina de café, um antivírus, um bilhete para um espectáculo e até um scanner. Consultou jornais nacionais e internacionais, fez operações bancárias. No entanto, não conseguiu comprar um bilhete para o futebol nos quatro sites de clubes consultados.
Nas palavras de quem viveu diariamente através de um clique o balanço é positivo: “Não posso dizer que está tudo a cem por cento, porque não está. O facto de em alguns sites se ter conseguido levar a cabo as tarefas que estavam previstas não significa que tenham cem por cento de acessibilidade. Mas como tenho experiência na área consegui contornar algumas questões. No entanto, de uma forma geral a acessibilidade é uma realidade”.
Fernando Santos defende que “deviam ser implementadas as normas comunitárias de acessibilidade. Só assim se facilita o total acesso aos sites. Penso que esta experiência poderá ser um bom contributo”.
Na vida de cego, a internet é muito importante. “É uma fonte de informação”, defende, até porque no seu dia-a-dia é um frequentador assíduo deste meio de comunicação. “Muitas compras lá para casa são feitas pela internet. Por exemplo, meto o totoloto on -line. Gosto muito de não ter de me deslocar aos sítios. Consigo maior e melhor autonomia com a utilização das novas tecnologias”.

Faltam pontos de referência

No entanto, não é só na internet que as acessibilidades são escassas. Fernando Santos aponta o Parque das Nações como um espaço nobre da cidade com poucos pontos de referência essenciais para quem não vê. “Por exemplo para encontrar a porta do hotel onde decorre a experiência tenho os vasos como ponto de referência. O Parque das Nações é amplo e os pontos de referência são praticamente nulos”.
Fica então o alerta de um invisual que se considera, no entanto, um privilegiado. Isto porque utiliza um equipamento que lhe permite ter mais autonomia, ou seja, um GPS que custa cerca de dois mil euros, por isso não está acessível a qualquer bolsa. No entanto, este é um equipamento essencial para circular em Lisboa, onde as barreiras físicas são bastantes, desde obstáculos no passeio, carros mal estacionados, painéis publicitários mal colocados.
Para Fernando Santos, “a consciencialização deste problema passa por todos, desde a pessoa que trabalha no escritório e que mete o carro junto à passadeira, até ao operário que coloca os sinais de trânsito no meio do passeio”.

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