Cultura

O Professor Escultor João Duarte

a opinião de Álvaro Lobato de Faria

As artes plásticas são, desde sempre, uma parte nobre do homem na sua riqueza e também na sua multiplicidade. Fazem parte da cultura que todos nós apreciamos. Concedem-nos uma dimensão que nos prolonga no tempo. Emprestam-nos asas para voar, transformam a realidade, criam-na e recriam-na, ultrapassam-na, ajudam a enriquecer o nosso conhecimento e a nossa experiência. Dão a moldura devida à nossa vida.

Saber que posso, de alguma forma, divulgar a arte, criando hábitos de amor, carinho e compreensão por ela, é para mim, motivo de grande importância e de orgulho.

João Duarte, nasceu a 29 de novembro de 1952, em Lisboa e licenciou-se pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em Artes Plásticas -Escultura) em 1978.

O porquê da minha escolha sobre o trabalho de medalhística do Professor Escultor João Duarte, deve-se ao facto da grande admiração que nutro pela sua excelente obra e também pelo seu enorme profissionalismo e grande amizade que nos une há mais de 30 anos.

No ano de 1997, o escultor e medalhista Professor João Duarte, solicitou-me uma exposição individual de toda a sua obra de medalha. Era um desafio que eu nunca tinha tido.

Estava à espera de umas medalhas comemorativas, de grande realismo, com uma distribuição com grandes critérios de claros-escuros, valorizando deste modo a forma redonda das medalhas, que normalmente se encontram no mercado.

Quando me foi apresentado o seu dossier fiquei imediatamente liberto dos conceitos clássicos do que vulgarmente chamam “Medalha”, para acrescentar a denominação de “Objecto “, e é nesta transformação, que pela primeira vez em Portugal um espaço cultural comercial, abre as portas à medalhística.

A sua primeira medalha data de 1985, Medalha Comemorativa dos 80 anos da Casa da Imprensa e de ano para ano, João Duarte afirma o papel de mestre que lhe cabe como medalhista maior que é, como artista que assume de corpo inteiro o lugar que lhe compete, cuja obra desenvolveu, repartiu e frutificou neste esplêndido conjunto de medalhas que apresenta.

O carácter de ficção é um dos elementos constitutivos da obra de João Duarte, é coisa muito séria e necessária, além de ser reclamado como um “direito de autor”.

Os jogos e os “brinquedos” fazem parte da vida do João tanto quanto ele vive num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonho, onde realidade e faz-de-conta se confundem. “Brincar” está-lhe na génese do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar, de criar e de transformar o mundo.

Dá forma a mentefatos, objetos ou representações mentais de coisas, situações, ocorrências externas e vivências interiores conscientes ou emocionais.

Como um verdadeiro microcosmo, a obra do João Duarte estabelece-se como uma realidade fascinante, diversa da arte contemporânea, possuidora de tempos, espaços, regras, valores e objetivos específicos.

É este o sentido, a forma e o modo como o João Duarte interiorizou e desenvolveu o papel da medalha como Objeto de Arte, transformando o conceito tradicional de medalha num outro – a medalha como Objecto Lúdico. Objecto de conhecimento na relação que estabelece com o fruidor que dele participa, captando-o segundo as formas adquiridas à priori e as categorias inatas ao intelecto.

As suas medalhas, são “desafios saudáveis” que conduzem à reformulação do conceito estético e técnico da medalha, notando-se personalidade e grande maturidade na sua obra, fazendo com que a medalhística nacional continue a ser considerada, uma das melhores do mundo.

Aparentemente, a medalha “jogava-se” com uma realidade que se regia por regras convencionais, convencionadas e racionais, provavelmente razoáveis e aceites por todos os intervenientes. Mas no João gerava emoção, excitação e fascínio.

Apesar do seu regramento, a medalha manifestava-se imprevisível, abria uma brecha, um intervalo no quotidiano, no “sério”, abria um leque de possibilidades, um tipo moderado de loucura, que determinava a carga intensa e múltipla de significados que se propunha desenvolver.

Transcendia a finalidade e o sentido comemorativo, conferindo-lhe uma carga “festiva”.

Entre as inúmeras exposições em Portugal e no extrangeiro e os muitos prémios com que foi galardoado, cabem destacar: medalhistan honoris causa em Sofia na Bulgaria e o Stanford Saltua Award, pela American Numismatic Association, equivalente ao Nobel da Medalhistica e o prémio MAC – Mérito e Excelência e Personalidade Cultural do Ano.

Em todo o sentido a medalha é cada vez mais uma obra de arte

Com uma enorme convicção e coerência, João Duarte, desenvolve a sua obra, como quem respira, apresentando-nos algo que, num relance de raiz tecnológica, numa invasão total do belo, transcende a natureza da matéria, mostrando-se, este grande escultor, um apaixonado pelo seu trabalho e esta é a sua principal qualidade como artista e como grande executor do que é belo e nos fascina.

Para participar da proposta estética e intelectual que João Duarte nos faz, há que superar um primeiro nível de análise, pois o que ele manifesta através da sua obra, são ideias, pensamentos e conceitos plenos de paixão e energia, contundentes na sua construção, no seu tratamento e morfologia. Uma filosofia da existência.

A sua obra tem sede própria – ensaia composições, recorre a materiais variados, aplica a pluralidade das cores.

Misturando o bronze com outros materiais, cria peças com um novo sentido para o fruidor, podendo este intervir, desagregando e reconstruindo o objecto, como se de um puzzle se tratasse.

A medalha apresenta-se como um campo cada vez mais complexo e fascinante, com maior ou menor nitidez, maior ou menor ocultação. Uma aparência entendida como aquilo que parece ser, mas que possibilita qualquer coisa de diferente e até de oposta.

O professor João Duarte tem dedicado uma boa parte da sua vida à magia do belo, à relação transcendental da arte com o homem. Para além da medalhística, como grande escultor que é, concretizou 56 monumentos públicos, 110 esculturas, 18 moedas e 44 troféus. Como pode ser verificado no seu abrangente livro comemorativo dos seus 40 anos de carreira.

Com certeza, que os seus 70 anos de vida traduzem o ideal e a concretização dos sonhos de um homem no complexo mundo da arte.

Tudo isso tem sido a motivação maior na vida do Professor Escultor João Duarte, que levou as velhas e novas gerações de escultores a interessarem-se pelo estudo da medalha enquanto obra de arte, inculcando-lhes a ideia de liberdade de criação de um objeto que pode ser manipulado de uma forma diversa, não forçosamente como sinal comemorativo de algo, mas sim, como objeto com lugar próprio e bem definido no campo da universalidade da arte. Criou como ninguém antes nem depois, um outro estatuto para a medalha, integrando-a de uma forma definitiva no panorama das artes plásticas portuguesas.

Desejo que, neste momento importante da sua vida, João Duarte, que cumpre 45 anos de carreira, possa continuar a respirar e transpirar o belo; que a beleza continue a ser a essência da sua existência, e que Ele continue a presentear-nos com a expressão contínua do seu brilho interior com a precisa percepção do seu olhar.

Este é o grande legado que nos deixa João Duarte.

 

Dr. Álvaro Lobato de Faria

Director Coordenador do MAC

Movimento Arte Contemporânea

Ver mais

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Close