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Pacientes ou clientes?

A opinião do Dr. Martin Lorenzetti

Estivemos à conversa com o Dr. Martin Lorenzetti, um neurocirurgião italiano que adoptou como seu o nosso país, onde já está instalado há sete anos.

Aprendeu muito com João Lobo Antunes, que tem como referência, apaixonou-se pela cultura portuguesa, aprendeu a dominar a língua de Camões e não tenciona ir embora nos próximos tempos, até porque tem a família completamente adaptada a Portugal.

Elegeu como missão “combater a falta de empatia” que por vezes se pode encontrar na prestação de cuidados de saúde, “identificar o problema e acompanhar o paciente até à reconquista da sua qualidade de vida”. Isto mesmo pode ler-se no seu portal na internet, em www.dr-martin-lorenzetti.pt, onde se dirige aos que sofrem de dor nas costas, na coluna, no pescoço ou na zona lombar.

EXPRESSO do Oriente – Prefere falar em pacientes ou clientes?

Dr. Martin Lorenzetti – O termo “paciente” deriva do termo latim “patiens”, particípio presente do verbo “pati”, “sofrer”, ou seja, “alguém que sofre”. Passar a tratar clientes significaria desnaturalizar esse termo, seria como admitir que o médico passasse a ser chamado de “vendedor”, e assim os meus cuidados médicos seriam um “produto para venda”. Só ficava a faltar oferecer garantia e peças de troca… (risos) infelizmente essa é a tendência de uma onda despersonalizante que está a tentar tornar o pessoal da saúde em técnicos intercambiáveis, os balcões dos hospitais em estações de check-in e os gabinetes de consulta em roupeiros que se identificam só pelo número.

EdoO – E isso é algo negativo contra o qual o Dr. Martin se insurge…

ML – Sim. O paciente e também o próprio médico ficam perdidos nesses labirintos uniformes. “Low cost” torna-se o adjectivo mais apropriado para um serviço que não pode ser reduzido a uma “aventura barata”, pela qual ninguém se responsabilizaria. Não sei ler o futuro mas parece-me que as clínicas podem ser a resposta, se queremos voltar a dar valor a cada indivíduo e à saúde.

EdoO – Queixas ou louvores?

ML – Se há uma coisa que aprendi logo que cheguei a Portugal, foi a importância que uma simples reclamação pode esconder, sobretudo pela sugestão e relevância que este tipo de mensagem pode transmitir se for interpretada com espírito construtivo e auto-crítico. Da mesma forma, apesar de serem menos úteis em termos práticos, os louvores também veiculam uma mensagem muito importante, funcionando como catalisador da nossa prática diária e ajudando a confortar-nos por “estarmos no caminho certo”. Contudo, quer se trate de uma queixa ou de um louvor, a mensagem contida será tão importante quanto forem sinceras as intenções de quem a decidiu escrever, e quanto maior for o sentido de responsabilidade que levou a partilhá-la connosco.

EdoO – A medicina é um negócio?

ML – O juramento hipocrático não deixa dúvidas a esse propósito e continua a representar a maior inspiração de quem se considere médico. Hoje em dia, o mundo acelera cada vez mais e perdem-se as sequências intermédias, sacrificando-as para chegar a uma conclusão rápida. É preciso voltarmos a dar importância àquelas fases que hoje em dia são ignoradas por serem consideradas uma perda de tempo para o objectivo único de cumprir números. Na realidade, a qualidade está mesmo nessas fases e pormenores que representam a coluna vertebral de uma máquina que sem ela não vai longe.

EdoO – Isso pressupõe um lado mais humano, de empatia, é isso?

ML – Sem dúvida. Fiquei intrigado quando, num outro estabelecimento qualquer que não de saúde, comentei como a nova funcionária era simpática e a resposta irónica do funcionário mais antigo que estava ao lado foi: “Aqui o que interessa não é a simpatia, mas a eficiência”. Esta curta frase não era nada que não tivesse já ouvido, ou mesmo dito eu próprio no passado, em tom de brincadeira. Mas desta vez, com o incómodo que me provoca o facto de ser tão aceite as coisas funcionarem dessa forma em qualquer âmbito profissional, fiz uma observação em resposta à simpática provocação do meu amigo no sentido de ter cuidado, porque a procura da eficiência transforma-se rapidamente em ganância e números, o que enfim se traduz em perda inevitável de qualidade… enquanto que valorizar a simpatia e gentileza se traduz em crescimento pessoal, empatia, satisfação, e no fim, num trabalho de qualidade com consistência. Isso é obviamente incongruente com o conceito de salários mínimos, ainda para mais, no contexto da saúde, onde o que é poupado no pessoal é investido em milhões para publicidade centrada no conceito.

EdoO – O Dr. Martin está em Portugal há sete anos. Como vê o caminho da saúde no País?

ML – Portugal é um país que apresenta uma formação médica de elevado nível. Espero que a precariedade dos contratos de trabalho da classe médica não comprometa esses alicerces e que finalmente haja quem, público ou privado, volte a apostar nas pessoas.

EdoO – Se tivesse que desejar algo para o futuro…?

ML – O estrondo da globalização transversal passou, ficou uma grande poeira que vai assentar e uma vez mais quem vai decidir o rumo do nosso futuro será cada um de nós, na sua única ligação universal, porque a complexidade social pode existir mas torna-se inútil no momento em que pensamos poder prescindir das unidades estruturais. Não há sistema de saúde sem médicos e não há médicos sem pacientes… não há relacionamento humano sem empatia.

Temos de deixar de correr e voltar a dar ao tempo a importância que merece, porque só assim poderemos reencontrar-nos.

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