Reportagem

Fomos conhecer os “Vizinhos do Areeiro”

Eles questionam, sugerem, reclamam e insistem. E a pouco e pouco, vão conquistando pequenas grandes vitórias, porque não há maior problema para a nossa vida do que aquele que está à frente da nossa porta.

Esta é a lógica que vai garantindo sucesso às iniciativas do Movimento Cívico Vizinhos do Areeiro: talvez paradoxalmente, pode ser mais fácil mobilizar as pessoas para resolver um problema muito localizado do que congregá-las em torno de uma causa maior, mas mais distante. O que pode ser pior do que o buraco na calçada onde pomos o pé todos os dias quando saímos de casa ou o grafitti com que sujaram o edifício onde vivemos?

O EXPRESSO do Oriente percorreu a Freguesia do Areeiro a pé com Rui Martins, membro fundador do Movimento Cívico Vizinhos do Areeiro, que começou por ser uma página de Facebook em Julho de 2016 e hoje é uma associação de pleno direito, até porque isso lhe dá a liberdade de acção de que precisa para se fazer ouvir.

As regras são muito simples e estão claras para todos. Dizem respeito à urbanidade e respeito, à proibição da propaganda política ou partidária, bem como da publicidade comercial, e ainda à circunscrição ao território da Freguesia. Os cinco coordenadores velam pelo respeito destas regras e asseguram-se de que não há perfis falsos no grupo, nem de empresas, nem de pessoas que não residem ou trabalham no Areeiro.

Rui Martins, 51 anos, que trabalha na área de Suporte IT, guia-nos pela freguesia que conhece muito bem e a cada passo que damos recorda-se de uma subscrição relacionada com aquele passeio, aquele parque infantil ou espaço verde. Já explicamos o que é isso de subscrição.

Alguns pensam que Rui é eleito local, mas não é nem tem ambições de ser: “penso que até perderia eficácia se fosse”, explica. “Estou nisto por sentir um grande impulso de participação. A vida só tem significado quando conseguimos alterar o que está mal à nossa volta. Fazer as coisas numa base muito local, de freguesia e de cidade, é possível. Há mais pessoas comigo, que pensam como eu, e isso tem permitido um crescimento assinalável e muitas melhorias”.

Basta constatar que, depois do grupo do Areeiro, nasceram mais cinco, com ritmos diferentes uns dos outros: Penha de França, Alvalade, Avenidas Novas, Arroios, e acaba de surgir um novo em Alcântara.

“Hoje em dia somos uma força viva na freguesia, os autarcas e eleitos lêem e dão atenção ao que nós publicamos, nem sempre gostam nem estão de acordo, mas ouvem-nos”.

Como a coisa funciona

São três os vectores de intervenção: propositivo, reclamativo e o da transparência.

Sem nos alongarmos muito, podemos resumir que as propostas se fazem através da subscrição pública. O texto de uma proposta é publicado no grupo de Facebook dos Vizinhos do Areeiro, afixado durante alguns dias no topo, e resulta quase sempre de sugestões ou reclamações dos moradores. Os membros do grupo podem clicar “gosto”, e isso equivale a subscrever a proposta, ou “ira”, manifestando-se contra. Se a publicação reunir um número maior de “iras” do que “gostos”, significa que uma maioria de pessoas discorda daquele texto e o assunto cai automaticamente. Caso contrário, atingindo o número mínimo (40, 60 ou 100 pessoas) ao fim do tempo determinado, o texto é aprovado e remetido a quem de direito.

Rua Domingos dos Reis Quita, completamente devoluta

No momento da nossa visita, estava em destaque um texto que propunha a reposição do piso em dois espaços verdes junto ao “Liceu” Filipa de Lencastre, removido na sequência de obras que aconteceram em 2009, e desde então em terra batida. Na semana anterior era uma proposta à empresa de aluguer de trotinetas eléctricas Lime para a remuneração dos utilizadores que estacionassem bem os veículos depois de os utilizarem. Também se perguntava quantos acidentes havia registados até lá em Lisboa. Mais tarde, passaríamos pelo Bairro da GNR, a que uma subscrição dos Vizinhos chamou “a maior concentração de devolutos do Estado”: só na Rua Domingos Reis Quita, são seis prédios totalmente devolutos, onde não habita uma pessoa!

Resta explicar que, depois da proposta enviada, mantém-se a atenção sobre o tema, através de pedidos de informação. Quando os prazos legais de resposta não são cumpridos, os Vizinhos insistem novamente em sede de Assembleia de Freguesia ou Assembleia Municipal e fazem-no até obterem resposta.

No que diz respeito ao vector reclamativo, é mais fácil de explicar: os membros sinalizam os problemas como danos na calçada, buracos no piso ou candeeiros apagados, por exemplo, e comunicam à entidade de acordo com a competência. Exemplos são a degradação do Jardim Fernando Pessa, ou a construção de uma lomba “mal feita” na Rua Abade Faria. “Há um ano fizemos um levantamento dos prédios com varandas ou beirais em queda, e encontrámos mais de 200. Isto na sequência da queda de um pedaço grande no n.º 15 da Avenida João XXI”, aponta Rui Martins, enquanto nos leva até à parte superior da fonte da Alameda D. Afonso Henriques.

Fonte Luminosa da Alameda
Fonte Luminosa da Alameda

É ali que nos mostra a “vergonha” em que se transformou aquele espaço, completamente degradado. Mármores partidos, um mar de grafittis selvagens (os chamados “tags”), baias de ferro de pernas para o ar, lixo e ervas daninhas. A isto soma-se o ruído nocturno que tem originado queixas, junto a um espaço verde que custa anualmente à Junta de Freguesia do Areeiro 120 mil euros em rega e manutenção.

Por falar em “tags”: em Fevereiro do ano passado, um levantamento feito ao longo de duas semanas deu conta de 1200 rabiscos destes em 292 edifícios, só no Areeiro!

Também é ali na fonte que o coordenador do Movimento nos explica o vector da transparência: os Vizinhos do Areeiro analisam detalhadamente, linha por linha, o orçamento da Junta de Freguesia. Em Dezembro, remeteram até uma lista com 49 perguntas sobre o orçamento de 2018 que desejam ver esclarecidas.

Orçamentos grandes com rubricas misteriosas

As juntas de freguesia em Lisboa tem orçamentos enormes, como se fossem autênticas mini-câmaras. A do Areeiro, por exemplo, tem 3,8 milhões de euros. A nós espanta-nos muita coisa: como é que os orçamentos são aprovados em Assembleia de freguesia depois da meia-noite? Os eleitos reúnem-se para aprovar páginas de documentos na ordem das dezenas, com todas as despesas previstas para o ano corrente; quem é que tem paciência para debater e discutir linha a linha a essas horas? Como é que não há um relatório de execução que diga: destes 100 mil euros, gastámos 20 mil? Não há transparência!”, questiona Rui Martins.

“Que sentido faz que se leia nos orçamentos uma série de rubricas intituladas “outros”, “outros”, “outros”, com números redondos, “10 mil”, “20 mil”, “40 mil”, “100 mil”? Não sabem quanto vão gastar? O orçamento está cheio disto, números redondos e rubricas e sub-rubricas chamadas “outros”. As práticas antigas têm de ser substituídas! Não é por má vontade de ninguém, nem do Executivo nem dos eleitos, é porque sempre foi assim. Mas as práticas têm de se adaptar aos tempos, porque o dinheiro é público e é de todos”.

Rua Manuel Gouveia

Muitas conquistas

Caminhando para três anos de actividade, o Movimento Cívico conta já muitas vitórias. Além de inúmeras pequenas reparações, há empreitadas maiores em processo de realização, como a reparação do parque infantil da Alameda, ou a requalificação da fonte luminosa, que poderá avançar ainda este ano.

Entre outros assuntos destacados pelo nosso “guia local”, está o das varandas: a Câmara de Lisboa enviou cartas a exigir aos proprietários obras nas varandas e beirais sinalizados com elementos em queda, e muitas delas estão a ser reparadas. Há também o caso do Bairro Portugal Novo, em que existem problemas graves de degradação do edificado, insegurança, ocupação ilegal, tráfico de droga, casos de violência… Aqui a conquista foi colocar o assunto na agenda política, porque, nas palavras de Rui Martins, “não se faz nada ali desde os anos 80”.

Outro foco de insegurança na freguesia ligado a casos de emergência social diz respeito à zona entre o Casal Vistoso e a Avenida Gago Coutinho, onde também fomos ver o local que há pouco tempo tinha barracas.

Nos assuntos mais positivos, não resistimos a referir o concurso que atribuiu prémios aos vestíbulos (entradas de edifícios) mais bonitos do Areeiro. O primeiro prémio foi para o n.º 11 da Av. Guerra Junqueiro, que é de facto muito bonito. Se lá for espreitar, seja grato aos Vizinhos do Areeiro por não lhe cair em cima nenhum pedaço de varanda!

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