Reportagem

O neurocirurgião que vai até si

Fomos até ao Hospital de Santa Maria, mas não estamos doentes. Fomos encontrar-nos com o Dr. Martin Lorenzetti, um neurocirurgião italiano que fala melhor português que muitos portugueses!

Chegou a Portugal e só falava inglês. Na equipa do neurocirurgião João Lobo Antunes, aprendeu muito e voltou a acreditar na meritocracia, que diz não existir em Itália. Escolheu o nosso país para viver e criar os seus dois filhos. Está em Portugal há 7 anos e gosta sobretudo do Alentejo, que lhe lembra a Toscânia. Tem dois filhos, o Vittorio que chegou com 3 anos e o Niccolò que chegou com 6 meses. Os miúdos falam italiano em casa e dominam bem o português, como é natural.

Este é, a traços largos, o neurocirurgião Martin Alfio Lorenzetti, 42 anos, que agora abraça também o interior, à procura de uma nova experiência. Exerce em Lisboa, mas o novo desafio vai levá-lo a ver doentes em outras paragens: Abrantes, Entroncamento, Covilhã e Castelo Branco.

A meio da conversa, perguntamos-lhe porquê e percebemos que a novidade lhe vai permitir operar os doentes que não consegue operar em Lisboa: com patologias da coluna, menos prioritários que outros doentes, mas que necessitam igualmente de uma operação, porque muitas vezes estão confinados em casa. “Estes doentes formam 90% da lista de espera e vêem-se obrigados a recorrer ao privado se não quiserem esperar muito tempo”, explica-nos o Dr. Martin.

Filho de um arquitecto e de uma jurista, mas com uma alergologista na família, o nosso amigo confessa que não nasceu com a ideia de ser cirurgião. “Ia para filosofia, mas como a minha mãe achou que eu estava a pensar demais, pôs-me a estudar medicina. Tenho imensas falhas e não cheguei ao nível de diferenciação que queria, mas estou muito satisfeito com o meu percurso”.

Lobo Antunes como referência

Esse percurso esteve para ser muito longe de Portugal. “Fazem-me constantemente essa pergunta, porque vim aqui parar. Sou de Milão e trabalhei em várias cirurgias muito boas lá. No entanto, não consegui obter as condições de trabalho que queria e quis sair de Itália para crescer como profissional. Consegui uma fellowship em Tel Aviv [Israel] num contrato de quatro anos, mas quando lá aterrei com a minha esposa percebemos logo que não era o que procurávamos. O ambiente de insegurança, a atmosfera militar, as marcas nos edifícios levaram-nos a mudar rapidamente de ideias. Nessa altura surgiu o contacto do professor Lobo Antunes e a possibilidade da vinda para Portugal e fiquei apaixonado por este país! Fui fantasticamente recebido aqui, gostei bastante do serviço, das condições de trabalho, do civismo dos portugueses, 10 vezes maior que o dos italianos, e assinei por dois anos para dar o máximo. Aprendi muito, fiz muitos bancos por semana, tive a oportunidade de operar muito, foi um período muito bom”.

Infelizmente, a reforma, doença e morte de João Lobo Antunes trocaram-lhe as voltas, acrescendo ao período de crise aguda que Portugal atravessou. Voltou-se então também para o privado, para poder manter a estabilidade económica da família. “Perdi algum tempo, disponibilidade e o foco no que mais gostava de fazer, mas por outro lado recebi a satisfação de poder ter uma relação mais profunda com os meus doentes, fazer a diferença na sua qualidade de vida em outras patologias”.

É o que podemos ler no seu portal, em www.dr-martin-lorenzetti.pt, onde se dirige aos que sofrem de dor nas costas, na coluna, no pescoço ou na zona lombar. Os formigueiros, a falta de força nos membros, o cansaço nas pernas ou a falta de memória são sintomas que podem ser indicadores de que está na altura de consultar um neurocirurgião.

Relação médico-paciente é fundamental

Pessoalmente, o Dr. Lorenzetti refere que o atrai a possibilidade de criar um laço com o doente, de ter uma conversa com ele, de conquistar a sua confiança e perceber exactamente o que o preocupa e os obstáculos que tem na sua vida devido àquela dor ou problema. “No público, muitas vezes não há tempo para desenvolver qualquer tipo de relação com um dos 30 doentes que vou ver nesse dia em consulta. Os doentes querem essa relação, não se entregam nas mãos de qualquer médico. Nunca imaginei que tivesse tantas visitas no meu site para as pessoas saberem quem sou. Muitos doentes que vejo em consulta em Santa Maria já visitaram o meu portal na internet. Em média, tenho 60 visitas por dia. Isto mostra que os doentes querem conhecer o médico que as vai tratar, operar ou aconselhar”.

E acrescenta noutro ponto da nossa entrevista: “A primeira pergunta que os doentes me fazem quando vão ser operados às costas é se há o risco de ficarem numa cadeira de rodas. Isto é algo muito importante para as pessoas, é fundamental haver confiança nos médicos. Por isso é tão importante que os profissionais sejam dedicados. Há doentes que preferiam que a cirurgia corresse menos bem mas depois o seguimento fosse mais humano, mais próximo e tranquilizador. A falta de relacionamento de qualidade entre médico e doente é o principal aspecto negativo da saúde. Muitas vezes isso até implica dizer-lhe: «O melhor neste momento é não fazer nada porque há este risco ou aquele risco, vamos esperar». A felicidade que eu retiro é ver a satisfação das pessoas. Não há dinheiro que possa pagar isso”.

A conversa vai longa e não damos pelo tempo passar. O Dr. Lorenzetti garante que tem mais histórias para contar do que aquelas que se consegue lembrar (“Temos sempre imensas, temos histórias todos os dias”). E é natural que assim seja, quando o trabalho diário é salvar vidas. No que cabe nestas linhas, podemos recordar a carta de agradecimento que o seu serviço recebeu de uma mãe, depois de o filho chegar à Neurocirurgia com um hematoma subdural, resultado de um traumatismo craniano numa queda mais severa. Ou a do doente que chegou ao seu consultório após uma operação ao ombro que correu mal, resultando na impossibilidade de trabalhar e de garantir o sustento para a sua família. “Esses casos são os mais difíceis para mim”, confessa.

Para descontrair o final da nossa conversa, perguntamos-lhe se os filhos vão ser médicos. “Como pai, para mim o mais importante é estar o mais presente possível e dar-lhe amor, carinho e abrir o maior número de possibilidades. Quero mostrar-lhes o mais possível e direccioná-los o menos possível. O mais importante é fazermos algo de que gostamos”. Concordamos em absoluto!

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