DossierSociedade

No Lumiar do futuro

__Pedro Delgado AlvesPedro Delgado Alves tem 33 anos, frequentou a Escola Alemã de Lisboa, em Telheiras, é licenciado em Direito e docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa desde 2004, na área do Direito Constitucional. É deputado à Assembleia da República desde 2011 e, na cidade de Lisboa, é membro do Secretariado da Concelhia do PS. Em Outubro de 2013, após as eleições autárquicas de Setembro desse ano, tomou posse como presidente da Junta de Freguesia do Lumiar.

Recebe uma das maiores freguesias da capital, tanto em área geográfica como em número de habitantes. Quais são as maiores preocupações de um presidente que acaba de chegar?

Com a reforma administrativa, o Lumiar tornou-se mesmo a maior Freguesia em número de habitantes e de eleitores. Apesar de alguns acertos de fronteira com Carnide e com os Olivais, o território é essencialmente o mesmo que existia antes. Sempre foi um território muito rico e heterogéneo, integrando realidades com identidades e vivências próprias, como são as zonas tradicionais do centro do Lumiar e do Paço do Lumiar, as zonas de expansão urbanística do último quartel do século passado – a Quinta do Lambert e o Parque Europa e Telheiras – e ainda a parcela mais significativa da Alta de Lisboa, com o ambicioso projeto de renovação urbana que traz associado.

Esta diversidade, apesar de trazer grande riqueza e potencial, leva a que uma gestão eficiente tenha de dar respostas a realidades bem distintas e com perfis próprios. Apesar de toda esta diversidade, é possível encontrar um desafio prioritário: a dimensão do apoio social. A crise é transversal e penalizadora de todas as famílias e de todas as faixas etárias, e apesar de termos de definir intervenções específicas e urgentes para a população mais vulnerável, o esforço é global e à escala de toda a Freguesia.

Quanto às novas competências atribuídas às juntas de freguesia – nomeadamente a manutenção e conservação de espaços públicos, bem como a gestão e manutenção de equipamentos como escolas do 1.º Ciclo – considera um desafio exequível?

A reforma administrativa de Lisboa, ao contrário do exercício relativamente improvisado e mal estudado que foi posto em prática pelo Governo no resto do País, assentou em vários anos de trabalho de detalhe, de estudo com as universidades, de participação da cidade e de identificação de qual o conjunto de tarefas para as quais as Juntas de Freguesia se encontravam vocacionadas e em que poderiam crescer.

Assim sendo, muitas das competências que são transferidas para as Juntas já eram por elas integralmente desempenhadas ao abrigo dos protocolos de delegação de competências, como é o caso da manutenção das escolas do 1.º ciclo e dos jardins-de-infância, ou pelo menos em parcelas relevantes do território, como sucedida com os espaços verdes ou com intervenções no espaço público, em que apenas aumenta a dimensão dos espaços que cabe às Juntas de Freguesia manter. Ou seja, muitas delas são competências já conhecidas, já experimentadas e em que já há muita capacidade instalada, alterando-se apenas a escala. Daí que o desafio seja perfeitamente exequível.

A manutenção dos espaços verdes, que acabou de referir, é precisamente daquelas que passa para a competência da Freguesia. Tendo em conta que no Lumiar existem diversos parques de média e grande dimensão que requerem cuidados permanentes, que medidas irão ser implementadas para assegurar uma boa conservação destes espaços?

Repare-se que, apesar da gestão dos espaços verdes passar para as Freguesias, a reforma administrativa de Lisboa salvaguarda que todos aqueles que têm uma dimensão estruturante, por serem equipamentos usufruídos por toda a cidade, se mantêm na esfera de gestão do município. O caso mais emblemático no Lumiar é o da Quinta das Conchas e da Quinta dos Lilazes. São estruturas verdes de maior complexidade de gestão e que permanecem, também por isso, na órbita da Câmara Municipal.

Quanto aos espaços verdes que vamos receber, a proximidade de gestão será determinante para um reforço da qualidade, mas queremos envolver os residentes e as suas associações na tarefa, criando ferramentas de despiste e comunicação rápidas, bem como implementar mecanismos de certificação de qualidade.

A limpeza do espaço público, agora a cargo da Junta, requer uma melhoria do sistema existente? Qual o modelo previsto?

Mais uma vez, a proximidade acaba por ser a chave que abre a porta à qualidade. A capacidade de despiste de situações de urgência ou de definição de prioridades de intervenção é muito superior se realizada no próprio território, ao invés de ser feita por controlo remoto a partir dos Paços do Concelho. Para além disso, queremos realizar algum investimento na área, dotando o pessoal de meios acrescidos e de condições de trabalho para poderem responder com eficiência ao desafio que nos é colocado. Também aqui o binómio participação dos residentes/certificação é essencial.

A freguesia do Lumiar é das mais antigas de Lisboa albergando um vasto património histórico e cultural. Existem locais a necessitar de urgente requalificação? Em que medida a Junta pode intervir?

_Pedro Delgado Alves 4

A Junta não tem competência para intervir diretamente na conservação e recuperação de património, mas será um promotor e dinamizador da sua valorização, começando por ajudar a definir prioridades de intervenção. A presença de dois Museus Nacionais (Teatro e Traje), associados a um espaço verde riquíssimo como é o da Quinta do Monteiro-Mor, tem de ser valorizada e integrada como mais-valia para a Freguesia. Para o efeito, queremos puxar pela requalificação do centro histórico do Lumiar, criando aí mais condições para fruição do espaço público e para a recuperação dos espaços característicos da freguesia.

O Lumiar comemorará em 2016 os 750 anos da fundação da Freguesia, e é fundamental que esteja em marcha a concretização da requalificação do seu núcleo identitário, uma oportunidade única para o colocar no centro da vivência cultural da cidade. Dizia outro dia em tom de brincadeira que o Bairro Alto leva apenas uns jovens 500 anos de vida, pelo que o Lumiar muito tem para valorizar e para criar uma nova centralidade na antiga zona do termo de Lisboa.

E a restante oferta cultural? É inevitável a ideia de que a norte da Segunda Circular é mais difícil realizar eventos relevantes?

Não de todo, basta olhar para o inegável sucesso do Cine Conchas, que mobiliza pessoas de toda a cidade e de concelhos vizinhos, ou para o facto de a Biblioteca Orlando Ribeiro se encontrar sempre cheia de programação com grande adesão, para ficar claro que o potencial existente é imenso e que tem de ser alargado a todo o território.

Por isso mesmo, podemos e vamos trabalhar no reforço da oferta cultural. Apesar de dispor de bons equipamentos culturais (o referido Auditório da Orlando Ribeiro), com a dimensão territorial e população que tem a Freguesia necessitaria de mais um centro cultural com escala e qualidade, preferencialmente no Alto do Lumiar. Até ser possível concretizá-lo – o que dificilmente será o caso nos próximos anos – não podemos abdicar de levar atividades culturais onde elas estão em falta e de trazer mais variedade a mais pontos do território, puxando pela imaginação e pela valorização de espaços existentes e da vontade das comunidades. Já o conseguimos fazer, aliás, neste passado mês de dezembro, levando uma adaptação do Macbeth pela Companhia de Teatro do Chapitô ao Centro Social da Musgueira, onde foi possível improvisar um espaço de representação e garantir adesão dos moradores. Recusamos totalmente a ideia de que em tempo de crise não se aposte na cultura.

No Lumiar a oferta escolar a nível privado é bastante significativa. A nível público, é suficiente para as necessidades da população? Está prevista a criação de mais Creches, Jardins de Infância ou ATL’s?

O Lumiar tem um parque escolar riquíssimo à escala da cidade, quer no plano público, quer no plano privado. Por isso mesmo, vamos criar o Conselho da Educação do Lumiar, para permitir a criação de parcerias entre todos os agentes educativos e para realizar projetos em comum, em particular na área da formação para a cidadania. Agindo como uma comunidade poderemos fazer mais do que apenas com intervenções pontuais e não estruturadas.

Por outro lado, apesar de ter havido investimento em várias escolas públicas, temos ainda uma necessidade de qualificação de alguns equipamentos. A Escola Secundária é um caso que poderia beneficiar de melhorias, mas o caso mais gritante, para o qual estamos a mobilizar a população e a apoiar as iniciativas desenvolvidas comunitariamente é o da Escola D. José I, no Bairro da Cruz Vermelha. É necessária uma obra de fundo, estrutural, numa escola que precisa e muito desse apoio para poder reforçar o seu projeto educativo e, apesar de não podermos agir diretamente, faremos tudo ao nosso alcance para que o Ministério não abandone à sua sorte um território que carece urgentemente de intervenção.

No que respeita às creches, o Lumiar foi contemplado com 3 novos equipamentos no programa B-A-BA, duas com obra já concluída em Telheiras e no Alto da Faia e uma em vias de conclusão na Alta de Lisboa. Já o ATL existente é gerido pela própria Junta e, apesar de se deparar também com a necessidade de reforçar o seu espaço, esperamos diversificar as atividades oferecidas e oferecer melhores condições de funcionamento à população.

O apoio aos mais velhos é suficiente?

Mais uma vez temos muitas entidades com excelente trabalho no terreno – bons diagnósticos e boas respostas. Mas temos cada vez  mais dificuldades sentidas na população mais idosa, que se vê privada de rendimentos por redução de pensões, vê aumentar custos com habitação e, por vezes, tem se socorrer descendentes em situação de desemprego. Para além disso, o isolamento produz igualmente dificuldades e torna mais difícil chegar junto de quem precisa.

É com todo este desafio em mente que queremos funcionar em rede de forma mais intensa – a Comissão Social de Freguesia deve ser a cabeça de todo um sistema muito mais interligado e capaz de partilhar recursos entre os vários parceiros com os quais trabalhamos. Só isso não chega, contudo, sendo igualmente importante reforçar os programas de apoio para as situações de carência.

No desporto, os jovens e a população em geral têm boas infraestruturas para a prática de exercício físico?

Trata-se de mais um caso em que, para a sua dimensão, o Lumiar não se encontra adequadamente servido de equipamentos para a prática desportiva e acessíveis a todos. A Junta já hoje assegurar a gestão de diversos equipamentos e o principal problema que sente é o da lotação praticamente esgotada de todos eles. Apesar de tudo, existem diversos equipamentos integrados em estruturas privadas (as muitas escolas, por exemplo) em que a Junta irá procurar criar condições para uma utilização comunitária. Simultaneamente, no plano dos vários anos do mandato, seria importante que se realizassem alguns dos investimentos em equipamentos previstos para o Alto do Lumiar, de longe a zona mais carecida e em que o papel comunitário que os equipamentos podem desempenhar é mais evidente.

O Centro de Saúde do Lumiar está sobrecarregado e não consegue colmatar as necessidades dos utentes. O que pode a Junta de Freguesia fazer para ajudar a população a obter mais e melhores equipamentos na área da saúde?

Não sendo nossa a capacidade de responder diretamente, olhamos com muita apreensão para a falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde e também aqui queremos ser parte da mobilização do território em defesa da qualidade dos serviços de Saúde. De facto, na organização da rede de serviços é fundamental assegurar o reforço de quadro de clínicos (seja no Centro de Saúde, seja na Extensão da Alta de Lisboa), bem como reduzir a sobrecarga dos existentes – há muito que se fala da Extensão de Saúde do Montinho de São Gonçalo, que poderia vir a desempenhar esse papel de desanuviamento.

Também estamos a acompanhar a realidade do Hospital Pulido Valente com atenção, tendo em conta o potencial que tem para criação de um parque de saúde com qualidade e com capacidade de resposta às necessidades locais. O papel de pressão junto da Administração Central é fundamental e estamos dispostos a ficar conhecidos como insistentes e massacrantes junto de quem tem de decidir.

A Alta de Lisboa, que contempla os antigos bairros da Musgueira e Calvanas, é um problema ou uma oportunidade?

Uma oportunidade, sem dúvida alguma. Apesar de, como já referi, faltar a conclusão de diversos investimentos em equipamentos culturais e desportivos, e de ser muito pouco provável que venha a ter a chegada de novos residentes com a escala prevista no Plano de Urbanização, aquilo que já se conseguiu realizar na última década é transformador. A Câmara apostou bastante nos últimos tempos, com abertura do Eixo Central, a conclusão das novas instalações do Centro Social da Musgueira, a intervenção da Escola n.º 91 e a colocação de nova creche na Rua Tomás Del Negro e entendemos que a aposta tem de continuar.

É inegável que é uma zona com diversos problemas sociais, hoje em dia agravados pelo desemprego, mas também tem dados excelentes exemplos de uma mobilização comunitária e do desenvolvimento de projetos com praticamente todas as forças vivas locais. Nesse sentido, a Junta de Freguesia retomou a sua participação no Grupo Comunitário da Alta de Lisboa, tornou-se parceiro do CLIP – Centro de Recursos e Desenvolvimento, e tem dado particular atenção e apoio ao trabalho das associações de residentes e de moradores no seu trabalho diário com a população.

E temos um plano claro: queremos trazer mais oferta cultural, continuar a criar condições para a prática desportiva, apoiar as estratégias educativas para o território e dar mais proximidade às respostas da Junta de Freguesia – logo no primeiro mês, reabrimos o atendimento social no Bairro da Cruz Vermelha e estamos a desenvolver um Balcão de Apoio à Habitação, para ajudar a população a lidar com os problemas colocados nessa sede.

É Deputado à Assembleia da República e leciona na Faculdade de Direito. Como concilia as diversas ocupações?

A gestão de tempo é de facto uma exigência fundamental do trabalho que desenvolvo – como muitos amigos me dizem, sou o exemplo típico do workaholic, pelo que o segredo é mobilizar o sentido de organização que os meus anos na Escola Alemã me ajudaram a apurar.

Mantenho a minha ligação à Universidade porque acho fundamental não perder de vista a atividade profissional que desenvolvo – a ideia do titular de cargo político que não tem profissão e depende exclusivamente dos cargos públicos é potencialmente negativa para a República e Democracia (e daí a importância da limitação de mandatos autárquicos). Gostava de ter mais tempo para ter mais do que uma turma, mas, nesta fase, essa redução de carga horária é mesmo inevitável.

Quanto ao trabalho parlamentar, há uma complementaridade significativa entre os diversos planos de serviço público a que me dedico. Não são poucas as vezes em que o conhecimento da realidade local (obtido na gestão diária da Junta e, em particular, no atendimento pessoal e presencial à população que faço) reforça a qualidade do trabalho que posso fazer enquanto Deputado, agindo como voz no parlamento dos cidadãos e cidadãs do Lumiar e da cidade de Lisboa.

Ver mais

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Close