Sociedade

Fomos conhecer os Vizinhos de Arroios

Visitámos estaleiros de obras e jardins, passámos por contentores do lixo cheios, edifícios pichados e um centro de saúde a rebentar pelas costuras. Fomos conhecer os Vizinhos de Arroios.

Depois de o termos feito noutras freguesias – casos de Areeiro e Avenidas Novas – percorremos desta vez a Freguesia de Arroios, acompanhados por um dos coordenadores do grupo, Luís Castro.

O percurso a pé começou e terminou na Alameda D. Afonso Henriques, que se tornou num epicentro dos eventos com banquinhas, actividades ao ar livre e música das três freguesias vizinhas que ali partilham as suas fronteiras (Areeiro, Arroios e Penha de França). O caminho levou-nos até ao Martim Moniz, já no território vizinho de Santa Maria Maior, passando por pontos como a Praça do Chile e o estaleiro das obras do Metro, o Jardim Constantino ou o Intendente, cruzando repetidamente a Almirante Reis.

Luís Castro mede o ruído na Av. Almirante Reis

Centro de saúde da Alameda em modo S.O.S.

A primeira paragem foi o centro de saúde da Alameda, na Rua Carvalho Araújo, um equipamento onde funcionavam até Dezembro a UCSP Alameda e a USF Fonte Luminosa, abrangendo cerca de 25 mil utentes num espaço exíguo, sobrelotado, com poucos profissionais e em condições que… pedem reforma. Este é um dos centros de saúde visados pela criação de novos equipamentos (anunciada em 2017 por Fernando Medina e pelo então ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes), sendo que as unidades de saúde ali alojadas eram para distribuir pelos novos centros de saúde do Areeiro (nas Olaias), já pronto, e de Arroios, que ainda não conhece novidades.

Ora, os utentes da USF Fonte Luminosa foram informados por SMS e e-mail que passaram a ser atendidos pelo seu médico de família nas instalações da Av. Afonso Costa, o que acarreta uma deslocação que afecta particularmente pessoas com mobilidade reduzida. Não parece haver alternativa, porque, como explica Luís Castro, não é possível permanecer no centro de saúde da Alameda: “Estamos numa situação absolutamente caótica. A minha médica foi transferida para as Olaias, falei presencialmente e enviei uma série de e-mails a pedir para ficar na Alameda, com outra médica… não valeu de nada. Os administrativos já nem respondem, dizem que se eu pedir para ficar não me garantem médico de família, mas na prática nem isso me deixam fazer. Terei de seguir pela via judicial”.

A pressão nos serviços de saúde é apenas um dos sinais da elevada concentração populacional nesta freguesia central de Lisboa. Estimam os Vizinhos de Arroios que residam 70 mil pessoas no território, em apenas 2,1 km quadrados, fazendo de Arroios a terceira freguesia mais densamente povoada da capital. Para tal, muito contribui a elevadíssima concentração de residenciais e unidades de alojamento local (AL): em Janeiro de 2019, os Vizinhos contaram 2400; em Agosto, já eram 2800!

São dezenas de milhares de camas que acolhem estudantes e migrantes (nacionais e estrangeiros), além dos turistas, que mantêm taxas de ocupação nos apartamentos registados na plataforma Airbnb permanentemente na ordem dos 80%. Por falar em estrangeiros, aquela que é a mais diversa freguesia lisboeta terá 92 nacionalidades entre os seus habitantes.

Mesmo que o número de 70 mil pessoas, que inclui a população flutuante de turistas, esteja sobrestimado, contrasta fortemente com os 28 mil recenseados nas últimas eleições, pressionando os serviços sobretudo através da produção de lixo, mais do dobro daquilo para que os meios estão preparados para dar resposta.

Outro levantamento estatístico (neste caso com informação fornecida pela própria Câmara de Lisboa) concluiu que 10% dos prédios devolutos da cidade estão em Arroios. “É um potencial de alojamento brutal que está a ser desaproveitado”, aponta Luís Castro, “só na Rua Marques da Silva são seis ou sete!”.

Metro de Arroios encerrado desde 2017

A conversa muda de tema quando chegamos à Praça do Chile. É ali que, desde Julho de 2017, há uma estação de Metro encerrada. Os trabalhos, orçados em quase 7 milhões de euros, sofreram uma paragem prolongada por incumprimento contratual do empreiteiro, mas a obra vai ser consignada ainda em Janeiro, segundo a empresa fez saber no último dia do ano 2019.

É

conhecido o calvário a que os tapumes e a falta de movimento condenaram o comércio local: muitos estabelecimentos fecharam, outros estão com a corda na garganta até que o Metro de Arroios reabra. Carla Salsinha, lojista na Praça do Chile e ex-presidente da direcção da UACS – União de Associações de Comércio e Serviços, lamenta que ainda não seja conhecida a lista de empresas beneficiárias da isenção das taxas de ocupação de espaço público e de publicidade: “Dos mais de 40 pedidos que entregámos à Câmara e à Junta, apenas oito foram aprovados e nem sequer sabemos quais são! Continua a haver lojas a fechar portas, a desistir e sabemos que todos estamos em risco com o prolongar da situação”. Desde a nossa conversa, mais dois estabelecimentos fecharam, em Dezembro: a joalharia Montil e a perfumaria Romi.

Seguimos viagem. Ao longo de todo o nosso percurso, vamos testemunhando a proliferação de graffitis e pichagens nas paredes, nos gradeamentos, nos sinais de trânsito. A Câmara libertou 3,6 milhões de euros para limpeza de graffitis em três anos, diz-nos o nosso cicerone, Luís Castro. Observamo-lo a realizar uma medição do nível de ruído no passeio da Av. Almirante Reis, através de uma app no seu smartphone. “Estão sempre na média de 80 decibéis”, esclarece, ou não fosse esta uma das principais e mais movimentadas artérias da cidade.

Junto ao Jardim Constantino, confirmamos que a 10.ª Esquadra da PSP de Arroios é agora um “posto de polícia” com uma secretária e um agente, que funciona até às 19 horas. Luís Castro explica-nos que os Vizinhos promoveram e difundiram uma petição que pedia o reforço dos efectivos e do policiamento na Freguesia, que fez o seu caminho até chegar à Assembleia da República. Esquadra mesmo, só na Rua da Palma, já na freguesia vizinha e com a espinhosa missão de servir a Baixa.

O nosso percurso ainda nos levará a locais tão díspares como o Campo dos Mártires da Pátria, a Livraria Tigre de Papel, o Largo do Intendente ou a Rua de Arroios, onde a Junta de Freguesia de Santa Maria maior arrendou vários armazéns para estacionar centenas de tuk tuks que diariamente transportam os turistas no seu território. Afixado na montra, um cartaz convida os aspirantes a condutores de tuk tuk a enviarem o seu currículo.

Muita acção, alguns sucessos

Os Vizinhos de Arroios reúnem de 15 em 15 dias, mas querem passar a reunir semanalmente em 2020. Fazem-no em cafés, por vezes três ou quatro pessoas, por vezes 10 ou mais. Qualquer pessoa que pertença ao grupo de Facebook pode ir.

Entre os sucessos da associação, constituída há dois anos e composta por cerca de 800 membros, Luís Castro destaca a campanha com que os Vizinhos evidenciaram os graves problemas de higiene urbana na freguesia, registando tudo em vídeos e fotografias, algo que resultou na melhoria dos serviços prestados pela Junta e pela Câmara.

“O caso do quarteirão da Portugália deu-nos muita visibilidade, a partir da intervenção que fizemos no Mercado do Forno de Tijolo, em que ameaçámos com uma providência cautelar”, recorda Luís Castro. Acrescenta depois que os Vizinhos também participaram no projecto urbanístico para o Martim Moniz, apesar de não ser no território da Freguesia. Futuramente, vão debruçar-se de forma particular sobre o tema da habitação.

Certo é que continuarão a exercer o seu papel de cidadãos empenhados na defesa do espaço público de Arroios. Afinal de contas, sentem essa missão como um dever!

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