Reportagem

Cegos experimentam a biodiversidade

Graças a um projecto que pretende ensinar a biodiversidade a evolução a pessoas com deficiência visual e cegos, os participantes puderam tocar, ouvir, cheirar e provar os diferentes grupos de seres vivos.

A iniciativa chama-se “EvALLution”, num trocadilho com a expressão “evolução” escrita em inglês, e realizou-se no passado dia 12 de Março, no âmbito das comemorações do 131.º aniversário da Associação Promotora do Ensino dos Cegos (APEC).

Como assinalam Telma Laurentino e Marisa Xavier, organizadoras do projecto, o objectivo desta acção pedagógica era o de “tornar o conhecimento da evolução, biodiversidade e os conceitos de história natural acessíveis a pessoas com deficiência visual e cegos, que são, na sua maioria, privados destas experiências e conhecimento”.

Financiado pela Society for the Study of Evolution e pela Associação Portuguesa de Biologia Evolutiva, o evento que decorreu na APEC permitiu aos participantes experimentar através do olfacto, paladar, audição e tacto os vários grupos taxonómicos, isto é, de organismos biológicos, segundo a sua classificação científica.

Apoiados por 22 voluntários, sobretudo biólogos e educadores, mais de 100 participantes (dos quais 40 apresentavam deficiência visual) sentiram nas suas mãos o padrão das asas de borboletas, ninhos de vespas, crânios dos nossos antepassados hominídeos, penas de pavão e de outras aves, ou até a carapaça de uma tartaruga. Também havia moluscos e ouriços-do-mar, plantas de vários climas e um sem número de conchas de todos os tamanhos para explorar e conhecer.

O “guia” desta exposição interactiva era uma árvore da vida em relevo feita de carpete, no chão, para que pudesse ser sentida pelos participantes invisuais. Paralelamente, discutiu-se ancestralidade comum, adaptação e extinção.

A visão não é o sentido mais utilizado pelos seres vivos

“A informação sobre a natureza e o mundo que nos rodeia é na sua grande maioria visual: os documentários, os livros… Para muitas das pessoas com deficiência visual, principalmente as com deficiência visual congénita, a sala da árvore da vida foi a primeira oportunidade de conhecerem os outros organismos que habitam o planeta connosco! E não só puderam conhecê-los como perceber como estamos interligados e como existem formas de vida tão diferentes que experienciam o mundo de forma tão diferente!”, aponta a bióloga Telma Laurentino ao nosso Jornal.

“De acordo com os dados que recolhemos, 23% das pessoas com deficiência visual mudaram a sua opinião em relação à visão ser o sentido mais utilizado pelos seres vivos. De facto não é! Evolutivamente falando, são muito muito poucos os organismos com o que chamamos “olhos” ou que utilizam a visão para navegar o mundo. Talvez estes factos sejam promotores de um sentimento de inclusão e talvez este tenha sido um dos aspectos que motivou as pessoas com deficiência a permanecer na sala, algumas delas mais de 3h, quando esperávamos que ficassem no máximo 1h. Quando parávamos para observar os participantes, as expressões mais presentes eram sorrisos e ares curiosos. 100% dos participantes inquiridos sentiram-se confortáveis ou muito confortáveis durante o tempo que passaram na sala”, completa a responsável pelo projecto.

A designer de produto Marisa Xavier conta-nos, por seu turno, que achou “interessante e inspirador ver como rapidamente as barreiras de comunicação se abriram. Nós, normovisuais, tivemos de aprender a comunicar de uma forma diferente e adaptarmo-nos ao mundo do visitante para conseguirmos esclarecer todas as suas dúvidas e curiosidades. Isso gerou laços de empatia muito fortes. Fomos percebendo algumas das dificuldades que pessoas com deficiência visual enfrentam diariamente, e foi gratificante poder partilhar estes momentos de curiosidade com os visitantes e poder ouvir as suas histórias de vida e factos que nos eram desconhecidos. O conhecimento não foi apenas transmitido, foi partilhado!”.

Ao Jornal EXPRESSO do Oriente, as organizadoras explicam que estão previstas novas iniciativas semelhantes: “Queremos que as pessoas possam experienciar a evolução e a biodiversidade em primeira mão de forma multi-sensorial. A próxima atividade será em colaboração com o centro pedagógico do Jardim Zoológico de Lisboa, focada nas pessoas com deficiência auditiva mas, como queremos que seja sempre, inclusiva para todos os que quiserem participar e aprender”.

E assim, no meio de rãs, escaravelhos, fungos, tarântulas, crânios de chimpanzés, modelos em tamanho real de faisões, pombas, corujas-das-torres e estorninhos, cactos, suculentas, troncos de sobreiro, corais e muito mais, cegos e pessoas com deficiência visual puderam conhecer um pouco mais do mundo. Deixámos o melhor para o fim: puderam até provar insectos comestíveis, como grilos, gafanhotos e larvas de tenébrio!

Ficou curioso? Visite aqui a página de Facebook do projecto.

 

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