DesportoReportagem

A idade é um posto… também dentro do ginásio!

E se, de repente, entrasse num ginásio em que todos os aparelhos e passadeiras estivessem ocupados por senhoras com mais de 55 anos de idade, algumas com mais de 80 anos?

É o que acontece todas as semanas, três dias por semana, no Ginásio Beija-Flor, na Rua João José Cochofel, ali bem perto da Biblioteca de Marvila. Na verdade, de vez em quando também vêm homens, mas as senhoras são claramente o sexo dominante neste prazer pela ginástica e por um convívio muito especial.

Chegámos e entretivemo-nos por instantes a observar como estas senhoras, sem dúvida com as maleitas típicas da sua idade, se dedicavam aos exercícios com determinação e força de vontade mas, acima de tudo, com uma boa disposição permanente.

“Este é um projecto que vai entrar no seu terceiro ano e cujo número de participantes tem vindo a crescer”, começa por nos explicar Cecília Oliveira, que com o marido António Oliveira (um enérgico mestre de capoeira que já apresentámos nas páginas do nosso Jornal, basta pesquisar no nosso site) gere o ginásio e acompanha o grupo de atletas. Gonçalo, o filho do casal, também orienta os exercícios, nas duas horas em que os mais velhos ensinam aos mais novos como se faz, entre as 17h e as 19h de segunda, quarta e sexta-feira.

Sim, vamos chamar-lhes sempre atletas neste texto. São actualmente 37, inscritos ao abrigo de uma parceria estabelecida com a Junta de Freguesia de Marvila, através da Universidade Sénior de Marvila. Cecília reconhece que muitos ainda desconhecem, mas o passa-palavra tem tido o seu efeito. Como raramente há desistências, o número não pára de crescer!

“O que pretendemos é dar qualidade de vida no envelhecimento, combatendo o sedentarismo e o isolamento. Há factores de saúde modificáveis para um envelhecimento com qualidade através da alimentação e da actividade física, e é nestes factores que queremos intervir”, acrescenta Cecília Oliveira.

Raramente há faltas

A assiduidade é muito elevada: “Só mesmo quando têm uma consulta médica ou quando estão doentes é que estes atletas faltam. São pessoas que levam o treino muito a sério”. Porque será isso?, perguntamos nós. “Talvez porque notam as melhorias de forma rápida. Temos senhoras que quando cá chegavam tinham dificuldade em caminhar e que hoje fazem passadeira como se fossem jovens! Sentem mesmo uma melhoria na condição física, cansam-se menos, têm mais energia, e isso alimenta a necessidade de virem”, responde Cecília.

É também de destacar o encontro intergeracional que se proporciona entre os seniores e as crianças e jovens da Capoeira Beija-Flor. Ao chegarem, cumprimentam-se de forma muito efusiva e abraçam-se, o que não será comum a muitos espaços do género.

É o que nos confirma Filomena Ambrósio, 68 anos: “Acho que aqui somos uma família. De todas as actividades que faço, onde me sinto mais em família é aqui. São todos um amor. Daqui a pouco começam a vir os pequeninos e vai ver a festa que vai ser!”. Esta amiga, tal como a maioria das que falaram connosco, pratica ginástica ali há dois anos. “Ouvi dizer que tinha aqui um ginásio, inscrevi-me na Junta e acabei por gostar. Sou muito assídua. Gosto de vir, faço mais actividades, como piscina, capoeira, ginástica, apesar de trabalhar as manhãs todas”.

Igual desenvoltura apresenta Celeste Fernandes, 70 anos. Inscrita desde o ano passado, conta-nos que vem porque se sente bem. “Adoro andar aqui! São simpaticíssimos, faço passadeira que é o que gosto mais e é o que me faz vir cá, mas também faço as outras máquinas. Tenho problemas na anca e nos joelhos e sinto que se não viesse cá, nesta altura já não andava. Até comecei a fazer exercícios em casa, ao fim-de-semana!”.

Ilda Almeida, 64 anos, também sente que a casa é já a sua família: “Tenho aqui amigas que também andam comigo na piscina e acaba por ser muita amizade. Noto muitas melhorias. Estava com quase 100 kg quando comecei a fazer ginástica, há dois anos. Agora estou com 89 kg. É uma maravilha, adoro! O que gosto mais é a esteira, que os portugueses chamam passadeira. Queimamos muitas calorias e no fundo parece que ficamos com mais energia. É muito bom!”, relata.

A iniciar o seu terceiro ano, Maria Cândida Ferreira, 74 anos, acha que “é tudo muito bom”. Perguntamos-lhe porque é que não vemos mais homens. “Não sei. O meu marido não vem porque anda de canadianas, também não dava. De vez em quando vemos aí dois ou três, mas de facto há mais mulheres”. Foi difícil convencê-la? “Eu vim para ver uma demonstração e não achei má ideia. Depois viemos uma vez, duas, e não deixámos mais de vir. No primeiro ano éramos poucas, depois foi aumentando e ainda bem! Tinha as pernas muito presas, tendinites e agora sinto-me muito melhor”.

Finalizamos a nossa ronda com duas Adelinas. Adelina Oliveira, 66 anos, realça o bem que a ginástica lhe faz à saúde, garante que gosta muito de desporto, mas sabe que “também há uma parte emocional muito grande”: “Isto tem tudo o que é bom, corpo e mente. Farto-me de recomendar esta iniciativa às pessoas minhas conhecidas, se entrar para aí muita gente nos próximos tempos, muitos terão sido convidados por mim!”, graceja.

Já Adelina Francisco, a mais experiente das nossas interlocutoras, diz-nos que tem 38 anos, a ver se acreditamos, mas já conhecemos esta… Perguntamos-lhe o que a faz vir fazer ginástica três vezes por semana e a sua resposta tem pouco que ver com ginástica: “Adoro estas pessoas, são espectaculares! Vejo-os mais que à minha própria família, tratam-nos muito bem, só tenho coisas boas a dizer”. O que vem a seguir, fala por si próprio: “Não fui à escola quando era miúda, tirei a 4.ª classe à noite já grávida da minha filha mais velha, tirei a carta de condução com 58 anos, criei três filhas, tomei conta da minha mãe que faleceu em casa com 93 anos. Agora viúva e com as filhas arrumadas, aproveito a minha liberdade para fazer as coisas que nunca pude fazer. Espero que os dias que me restam sejam sempre maiores para desfrutar destas coisas boas.”

 

Uma aposta certeira

Em declarações ao EXPRESSO do Oriente, o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José António Videira, congratula-se pelo sucesso do projecto: “A grande vantagem desta parceria, que dá corpo a uma actividade da Universidade Sénior de Marvila, é a de combater o isolamento dos seniores e motivá-los para a adopção de comportamentos saudáveis através da prática de exercício físico adaptado à sua idade. Estamos ainda mais satisfeitos por sabermos que existe na Capoeira Beija-Flor um projecto intergeracional, já que os praticantes da capoeira são jovens e acabam por beneficiar do contacto com os nossos seniores e vice-versa”.

O autarca não desconsidera o facto de, “além do acompanhamento que fazem em termos do exercício físico”, também haver “aconselhamento em termos nutricionais e de hábitos de vida em geral”, mas reconhece que o principal trunfo do projecto está na relação: “Tem sido um sucesso porque os atletas gostam, identificam-se, criam uma grande empatia com as pessoas responsáveis”.

A terminar, registamos o agradecimento do Ginásio Beija-Flor à autarquia local, na pessoa do seu presidente e do seu elo de ligação no Desporto, Ricardo Ribeiro. Só falta mesmo dizer que o ginásio está de portas abertas e que as inscrições são feitas na Junta de Freguesia de Marvila!

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