Reportagem

Heróis sem Tecto

Beato - Heróis sem tecto (50)Os Bombeiros Voluntários do Beato estão há dois anos à procura de uma nova casa. A  transferência do quartel já foi aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, mas de todas as possibilidades levantadas, ainda nenhuma se concretizou.

Instalados há 81 anos na Rua do Grilo, os Bombeiros do Beato têm procurado encontrar uma nova casa, com mais e melhores condições para o exercício da sua actividade. Humidades, calor, falta de espaço e a má relação com a vizinhança são os principais motivos da vontade da mudança.

Após a análise de possíveis locais onde pudessem criar novas instalações, foi numa reunião com o Presidente da Junta de Freguesia local, Hugo Xambre Pereira, que os bombeiros sugeriram mudar-se para a abandonada, mas renovada, Escola Afonso Domingues, em Marvila.

A escolha deste local teve o aval da autarquia local, que desde então tem procurado ajudar os bombeiros a obter a aprovação para que a mudança possa tornar-se real. O processo já passou por entidades como a DREL, o Ministério da Educação e o Ministério da Administração Interna. Todos deram o seu parecer favorável em relação ao assunto, mas uma aprovação final teima em chegar.

Com tudo isto já se passaram quase dois anos, e os Bombeiros do Beato continuam sem perspectivas futuras. O equipamento escolar está agora sob a alçada da Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças e as respostas continuam inexistentes.

Bombeiros e Junta de Freguesia anseiam pela resolução deste caso.

O início da mudança

Foi há quatro anos, quando o Comandante Mário Ribeiro assumiu a liderança do quartel do Beato que a actividade e as regrasBeato - Heróis sem tecto Comandante Mário Ribeirpo da casa começaram a mudar. Entregue durante muitos anos a uma administração que, segundo o actual comandante, se preocupava mais “em se servir dos bombeiros, ao invés de servir os bombeiros”, o quartel atingiu um estado de degradação profunda.

 “Como se pode sentir, o calor aqui é insuportável, pois o quartel não tem respiração. Além disso, temos o problema de ter os carros estacionados na via pública o que tem causado uma grande indignação por parte dos moradores, que acham que a culpa é nossa. Adicionalmente, as ruas aqui são muito estreitas e torna-se perigoso, pois quando toca um alerta de incêndio ou de emergência, o pessoal esquece-se que isto é uma estrada e há pessoas que são quase atropeladas”, conta o Comandante Mário Ribeiro, enquanto nos mostra as instalações, onde é também possível verificar a existência de problemas de humidade nos tectos e de se tratar de um espaço muito reduzido para os 38 voluntários que aqui trabalham.

A chegada do novo comandante piorou também a relação dos bombeiros com os seus vizinhos, que vêm esta entidade como “um alvo a abater”.

“Existem muitas pessoas aqui que são anti-bombeiros do Beato. Se calhar porque há uns tempos atrás eles eram quase donos disto. Vinham aqui e faziam o que queriam e eu acabei com isso. Proibi, também, os bombeiros de estarem fardados no café a beber álcool e acho que eles se ressentiram no negócio, motivo pelo qual se revoltaram contra nós”, acrescenta Mário Ribeiro.

Alvo de várias queixas da vizinhança e com condições bastante precárias, os Bombeiros do Beato deram, então, início a um processo para tentar mudar de instalações. A Junta de Freguesia juntou-se à corporação e embora não seja da sua competência ou obrigação arranjar-lhes um novo local, tem feito todos os esforços para ajudar esta Associação Humanitária.

Casa: procura-se!

Escola Afonso Domingues (46)A procura de um novo tecto já começou há vários anos e já foram vários os espaços ponderados. Primeiro, falou-se num terreno onde os bombeiros tinham alguns dos seus veículos abandonados. A Câmara Municipal de Lisboa cedeu o terreno na condição de não se construir nada e sugeriu que se estacionassem ali os veículos de emergência e que os fossem buscar quando fosse necessário.

Como é impossível antecipar uma situação de emergência, a proposta foi considerada inapropriada.

“O terreno tinha uns armazéns e ainda chegámos a guardar lá alguns veículos. No entanto, roubaram-nos o motor a uma ambulância, começaram a destruir um auto-tanque, roubaram uma escada, uma motobomba e ainda nos deram doze facadas num bote de água. Tivemos que deixar de lá meter as coisas”, conta o comandante.

O Mercado de Xabregas foi a segunda opção proposta pelos bombeiros, mas o espaço já estava apalavrado com outra entidade e a necessidade de escolher um novo local voltou a emergir.

Foi então em reunião com o presidente da autarquia que se falou na Escola Afonso Domingues, em Marvila. “É um local isolado e grande onde tínhamos todas as condições para fazer um quartel a sério. Na altura até pedimos que nos cedessem apenas uma parte da escola pois não se justificava ficarmos com todo aquele espaço só para nós”, explica o comandante da corporação.

Parecer favorável, aprovação demoradaBeato - Heróis sem tecto (31)

Começou há cerca de dois anos o processo para a cedência da Escola Afonso Domingues aos Bombeiros do Beato. Desde então, o processo já passou pela DREL, Ministério da Educação, Ministérios da Administração Interna, Secretaria de Estado da Administração local, entre outros. Todos deram o seu parecer favorável, mas o processo nunca chega a ficar concluído.

“Temos tentado ao máximo obter respostas para concluir este processo. Já enviámos mais de vinte e-mails para resolver o assunto e nada. Andamos há dois anos de ministério em ministério, em secretarias de estado e direcções para tentar que este Governo nos possa ceder o anexo de um edifício que esteja desactivado ou a ser destruído. Sentimo-nos revoltados pois este Governo diz-nos que isto tem de ser resolvido a nível autárquico, mas depois não nos dá o aval para avançarmos”, afirma Hugo Xambre Pereira.

O autarca recorda que “ultrapassa largamente as suas competências arranjar um novo quartel, que é algo muito caro”, mas tem “tentado ao máximo obter respostas” para resolver a situação. Os Bombeiros do Beato reconhecem os seus esforços.

“Temos definitivamente sentido o apoio da Junta de Freguesia. Penso que o Presidente percebeu que actualmente estamos a dar um novo rumo aos Bombeiros do Beato e tem-nos ajudado muito, sobretudo com a cedência de equipamentos”, refere Mário Ribeiro.

Vandalismo piora condições

Escola Afonso Domingues (10)Apesar de todos os esforços, o tempo vai passando e nada se resolve e ninguém fica a ganhar com esta situação. A prova disso é que a Escola Afonso Domingues que, na altura, tinha sido alvo de um projecto de intervenção e possuía condições excepcionais, está hoje ao abandono e completamente vandalizada.

“A escola era perfeita e tinha todas as condições que precisávamos. Era apenas necessário adaptá-la à nossa realidade. Entretanto, já esta toda destruída”, acrescenta o comandante.

Vidros partidos, cadeiras e mesas estragadas, armários destruídos, paredes grafitadas… Nada parece ter escapado às mãos dos criminosos que decidiram destruir grande parte das instalações escolares.

Para além desta situação, os Bombeiros sabem que o espaço vai ser também cedido ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e à PSP, que instalará ali as suas oficinas, pelo que já receiam que o espaço se torne demasiado pequeno.

“Na altura ficou apalavrado que uma parte do espaço seria dado a outra entidade, a SEF, e agora sabemos que as Oficinas da PSP também ocuparão parte do espaço. Sinceramente, já começo a achar que o espaço será pequeno para tantas entidades. Começo a ficar preocupado”, diz.

À espera de respostaBeato - Heróis sem tecto (16)

Neste momento, os Bombeiros não têm outra opção se não a de esperar que surjam respostas para esta situação. A Junta de Freguesia do Beato foi, entretanto, informada que o equipamento escolar foi disponibilizado à Direcção Geral do Tesouro e das Finanças e já terá enviado o processo para avaliação.

“Não sabemos o que se passa. Pode ficar resolvido num mês como nunca mais. O que nós queremos é uma resposta, nem que seja não. Ao menos aí desistimos e procuramos outra solução”, salienta Mário Ribeiro.

O quartel do Beato é um dos mais activos da zona de Lisboa, sendo aquele que possui um maior número de serviços por ano em relação a todas as corporações da cidade. Por este motivo, torna-se urgente a resolução deste caso que já se prolonga há demasiado tempo e cujos envolvidos anseiam para que chegue ao fim o mais brevemente possível.

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