Dossier

Um mundo de igualdades

Vêm de todo o país e até do estrangeiro à procura de rumo para uma vida às escuras. São pessoas invisuais que recusam a exclusão social e que chegam à Associação Promotora de Emprego de Deficientes Visuais cheios de esperança e vontade de provar o que valem. Ali se formam nos vários cursos disponíveis e muitos, aprendem a “viver” pela primeira vez.

Aquele dia de aulas, que parecia igual a tantos outros, aconteceu há 31 anos mas deixou marcas tão profundas, impossíveis de esquecer a Emília Rodrigues, hoje com 48 anos. A disciplina de Físico/Química nem era das suas preferidas, mas estava longe de imaginar que uma experiência aparentemente inofensiva fosse mudar a sua maneira de ver o mundo no curto espaço de um segundo. Uma explosão, até hoje não explicada, deixou-a amblíope, particamente cega.
Tinha 17 anos, e uma vida cheia de sonhos por concretizar. Quis o destino pregar-lhe esta enorme partida, que apanhou a todos de surpresa. De um olho ficou totalmente cega, do outro consegue ver manchas e vultos. Por intermédio do seguro escolar passou anos a fio em Barcelona, sendo submetida a operações e tratamentos infindáveis, aos quais perdeu a conta. Só por causa de um transplante de córnea esteve internada durante cinco anos. Quando voltou para casa, em Anadia, nada mais havia a fazer e assim passou mais uma série de anos. Acomodada a um infortúnio sem explicação. Até que alguém do Centro de Emprego lhe indicou um caminho que a trouxe direitinha até à Associação Promotora de Emprego de Deficientes Visuais (APEDV), em Marvila.
Emília Rodrigues, ou simplesmente, Mila, como é tratada carinhosamente na instituição, começou o curso de massagista em 1988 e gostou. E também gostaram dela. O facto de ter sido a melhor aluna do seu curso garantiu-lhe um convite para ficar a trabalhar na APEDV. Emília não pensou duas vezes, e por ali ficou até hoje. “Foi a primeira instituição que frequentei como deficiente visual. Não conheço mais nenhuma associação, para mim isto é o meu mundo, gosto muito de cá estar e dou sempre o meu melhor…”, já lá vão 19 anos.
Entretanto, assim como a direcção da APEDV a quis “agarrar logo”, também o psicólogo da instituição “lhe piscou” o olho. Hoje têm um casamento feliz e são um verdadeiro caso de integração. Emília é a cordenadora do curso de massagista que é aquele que oferece mais saída profissional e também o mais procurado, pois esta instituição é a única no país a dar formação nesta área para pessoas invisuais. Actualmente, estão 39 pessoas em lista de espera. Graça Idalgo, a coordenadora da formação da APEDV, justifica facilmente esta grande procura para o curso de massagista: “Somos a única instituição do país que tem este curso, é um curso muito bom, eles saem daqui muito bem preparados porque o ensino é muito personalizado. Não se pode dizer ‘isto é um músculo, vejam!’ temos de mostrar através do tacto”. Os cursos são anuais e garantem um estágio de oito meses. Para além deste curso, os invisuais podem ali aprender várias técnicas de artesanato, carpintaria e telefonistas/recepcionistas. A instituição tem ainda um Centro de Actividades Ocupacionais dirigido a pessoas que para além da deficiência visual têm outra deficiência mental ligeira, ou então têm uma idade avançada que já não se enquadra na formação profissional.

Instalações são pequenas

Na formação profissional são admitidos alunos a partir dos 16 anos que vêm de todo o país, dos PALOP, e até já receberam o contacto de uma jovem das Ilhas Canárias. A formação é dada há 21 anos, pelo que já passaram algumas centenas de jovens por aquela instituição, sendo que a maioria chega com o sonho de encontrar um emprego e a sua independência. “Na área dos telefones e das massagens o estágio é uma forma de conquista de emprego, e temos sido bem sucedidos, é uma forma de poderem mostrar o seu valor e se são bons, as oportunidades aparecem. Depois também há os incentivos aos empregadores são simpáticos”, admite Graça Idalgo, sublinhando, no entanto, que ainda há muita desconfiança no mundo profissional. Proporcionar formação profissional não é o único propósito da instituição. No fundo pretende-se que os formandos encontrem um novo sentido para a vida e que as portas se comecem a abrir. “Temos pessoas que chegaram aqui depois de estarem uma série de anos fechadas em casa e encontraram aqui um novo rumo. Há muitos casais que se conheceram aqui e formaram família e isso significa o maior sucesso de todos”, afirma Graça Idalgo.
A sede da APEDV estende-se por três pisos que foram cedidos pela Câmara Municipal de Lisboa, a quem pagam uma renda, mas hoje tornaram-se inuficientes. É com pena que Filomena Costa, coordenadora do Centro de Actividades Ocupacionais, diz que a falta de espaço é “um grande impeditivo para recebermos mais utentes”. Apenas 16 podem participar nas várias actividades que vão desde jogos, teatro, dança, canto, passeios, visitas de estudo à animação de festas.

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