Reportagem
Be@triz 14 – Contra a violência Doméstica
Relações ACRIdoces
A violência doméstica é um fenómeno complexo que atinge todas as camadas sociais, todas as idades e existe no mais variado tipo de relações familiares. Apesar de existirem na cidade de Lisboa várias instituições que dão apoio às vítimas, o certo é que na freguesia de Marvila não havia resposta para estas situações, tanto assim que foi ali criado, recentemente, o Projecto Be@triz 14. Falámos com a coordenadora do programa, Elsa Montoya, e ficámos a saber que este é um projecto promovido pelo Centro Social e Cultural Santa Beatriz, financiado pelo programa BIP/ZIP da Câmara Municipal de Lisboa e que tem como área de intervenção os bairros da Flamenga e das Amendoeiras.
Trata-se de um Gabinete de Prevenção e Intervenção na violência doméstica que apoia adultos e crianças vítimas de violência doméstica, criando e promovendo condições que contemplem também um acompanhamento ao agressor por forma a desviá-lo de comportamentos violentos. Pretende ainda intervir na área da prevenção através de acções de sensibilização nas escolas (sobre bullying, violência escolar e no namoro) no âmbito da Educação para a Cidadania.
No Projecto Be@triz 14 cada caso é um caso e estes são acompanhados a par e passo, para isso contam com uma equipa composta por uma psicóloga clínica e um terapeuta familiar, uma técnica de serviço social, um advogado e um jurista. O mais importante é apoiar as vítimas do início até ao fim do processo, “porque de um momento para o outro muda tudo na vida destas pessoas e elas precisam de se restabelecer psicologicamente e de se sentirem acompanhadas”, explica Elsa Montoya. Os técnicos ajudam a accionar um conjunto de direitos que por vezes as vítimas “desconhecem ter ou porque é de difícil acesso. Aliás, muitas delas pensam que por saírem de casa podem ficar sem os filhos e isso já não é assim.” O programa dá também apoio na procura de emprego, bem como na criação de novas competências no mercado de trabalho e encaminha na candidatura a casas sociais, “pois algumas não saem de casa porque não têm para onde ir, porque sempre dependeram dos maridos financeiramente.”
Fala-se sobretudo de violência praticada pelos maridos sobre as mulheres mas também existe o oposto ou mesmo casos em que ambos são vítimas e agressores simultaneamente, são situações de casais em que a violência é mútua e que mesmo assim não se querem separar, aí o mais importante é que estes técnicos nunca se sobrepõem à vontade da vítima, “mostramos apenas as hipóteses que elas têm”.
O gabinete de apoio é procurado maioritariamente por mulheres, no entanto, também atende homens, nestes casos, a maioria das queixas surge de relações homossexuais. Recebe igualmente muitos pedidos de ajuda de portugueses a viver no estrangeiro, através da página na internet, que os técnicos tentam “orientar no que nos for possível e encaminhamo-las para as instituições competentes nos países em que se encontram”.Quando falamos de violência doméstica, muitas vezes não nos apercebemos bem do que isto representa na vida de uma pessoa. A vergonha de ser abusada por queles que nos são mais próximos, aliada ao amor que um dia por eles sentimos faz-nos deixar que os abusos se vão prolongando no tempo até que haja um rasgo de coragem para cortar com todo o passado.
Irene e Marco, dois exemplos de coragem
Sobre isto mesmo fala-nos Irene Fernandinho, hoje com 69 anos. Nasceu na Beira Interior em 1943 e cedo veio para Lisboa trabalhar como criada interna. Tinha então 14 anos e numa das suas tarefas diárias de ida ao mercado, conheceu o homem com quem viria mais tarde a casar começando aí o seu percurso de vítima. As agressões eram uma constante e por isso diversas vezes tiveram de se mudar das casas camarárias onde habitaram devido às queixas dos vizinhos. Teve dois filhos e nem mesmo durante a gravidez o marido deixava de lhe bater, sempre que bebia era certo e sabido que haveria discussão e chegou a bater nos sogros quando estes tentavam ajudar a filha, nessa altura Irene Fernandinho apresentou queixa na GNR porque o marido partiu um braço à mãe dela mas a queixa nunca teve consequências.
Ao fim de muitos anos de constantes agressões, Irene tomou coragem e avançou com mais uma queixa, os filhos já estavam criados e na sua ideia já não tinha nada a perder mas foi surpreendida pelo depoimento da filha desmentindo a mãe em Tribunal. A queixa mais uma vez não surtiu efeito e começou a ser apoiada pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima que a aconselhou a entrar com um processo de divórcio. Em Janeiro de 2011 conseguiu finalmente a separação legal do pai dos seus filhos não sem antes ter sido também agredida pela própria filha que a deixou com várias vértebras partidas ficando” incapaz de andar sem auxílio”. Neste momento ainda conta com o apoio do Projecto Be@triz 14.
Numa situação parecida encontra-se Marco António. Aqui falamos de violência psicológica, também muito comum nas relações mas que passa despercebida aos olhos dos amigos e familiares porque as marcas que deixa não são visíveis.
Homossexual assumido desde os 20 anos, tem hoje 40 e conheceu o seu companheiro há cerca de nove, “ele tinha acabado de se divorciar e nunca tinha tido um caso amoroso com outro homem”, conta. Os primeiros anos de vida em comum foram muito intensos, passava muito tempo com a família do seu par, embora fosse apresentado como um amigo com quem dividia a casa, passeavam muito e iam juntos para todo o lado, o romance era vivido em pleno e frequentemente era brindado “com um presente em datas especiais, com flores ou algo assim”, e nem mesmo quando Marco António descobriu que tinha HIV o companheiro o deixou. No entanto, com o desgaste do tempo a relação foi esmorecendo e ao fim de seis anos decidiram dar um tempo. A partir do momento em que o companheiro saiu de casa o pesadelo começou. Apesar de já não terem uma relação assumida, Marco António começou a sentir-se perseguido, afirma receber cartas ameaçadoras e ter os seus passos e os seus relacionamentos todos controlados tendo sido mesmo ameaçado de morte quando o ex-companheiro soube que um amigo ficara na sua casa durante uns dias. Perante tanta insegurança e pressão psicológica, Marco António fez queixa à Protecção Contra a Violência Doméstica que lhe forneceu um equipamento de segurança que alerta as autoridades em caso de perigo. Foi então encaminhado para o Projecto Be@triz 14 para receber acompanhamento psiquiátrico, pois já por duas vezes tentou o suicídio. A fragilidade com que ficou devido a esta situação fez com que perdesse o emprego e, com as contas da casa para pagar, o dinheiro mal chega para comer agravando assim a sua condição física já por si debilitada. Vale-lhe a ajuda do Projecto Be@triz 14, do Banco Alimentar e da irmã que o ajuda conforme pode. Na sua expressão de olhar vago Marco António – nome que escolhemos para garantir a sua privacidade – confessa-nos. “tem sido uma luta diária à espera do que vida me propõe”.
O Projecto Be@triz 14 tem as suas portas abertas de segunda a sexta-feira, das 9 às 17h30 e está situado no Centro de Dia Santa Beatriz em Marvila, no Bairro das Amendoeiras.
Dá apoio a todos os que o procuram, quer sejam encaminhados por profissionais, a pedido das famílias ou dos próprios, quer sejam vítimas ou agressores.
Se precisa ou tem conhecimento de alguém em situação de risco ligue 218371889 ou contacte o projecto através de e-mail: projectobeatriz14@gmail.com.
Violência doméstica é qualquer “acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um ou de outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade”, determina o Conselho da Europa.
Esta pode ser Física: qualquer forma de contacto que magoe a vítima, indo desde a bofetada, o murro ou o pontapé até aos espancamentos, queimaduras e agressões com objectos e armas.
Psicológica/emocional: acções ou afirmações que pretendem desvalorizar, culpabilizar a vítima, afectar a auto-estima da vítima – insultos, humilhações, injúrias, intimidações, ameaças.
Sexual: submeter a vítima a práticas sexuais contra a sua vontade.
Social: promover o isolamento da vítima, restringindo o contacto desta com a família e amigos, proibir o acesso ao telefone, negar o acesso aos cuidados de saúde.
Económica: negar o acesso ao dinheiro ou a outros recursos básicos, impedir a sua participação no emprego e educação.
De acordo com os dados da Direcção Geral da Administração foram apresentadas 343 queixas nas esquadras da 2.ª divisão da PSP do Comando Metropolitano de Lisboa, no ano passado, sendo que o mês que teve mais participações foi Dezembro. A esquadra da polícia desta zona com mais ocorrências apresentadas foi a 34.ª Esquadra, nos Olivais, com 155, seguida da 16.ª Esquadra, na Zona J/Chelas, com 56; 38.ª Esquadra, Zona N1/Chelas, com 47 ocorrências; 40.ª Esquadra, no Parque das Nações, com 45 queixas e por fim a 14.ª Esquadra Zona I/Chelas, com 38.
As vítimas, na sua maioria do sexo feminino, fazem parte em grande número da faixa etária dos 25 aos 64 anos.
Se é vítima de violência doméstica, procure ajuda. Se conhecer alguém próximo de si nesta situação, não fique indiferente.
Eu infelismente sou neta dessa senhora que diz que foi vitima de violência domestica. Para começar ela teve 3 filhos,não 2 como ela diz o meu tio já faleceu,a minha mãe e a minha tinha graças a deus ainda estam vivas.Quando ela diz que o meu avó lhe batia nunca vi tal coisa,mas posso dizer porque cheguei a ver ela a bater no meu avó e ele nem se virava a ela.E uma vez cheguei a casa deles e o meu avó tinhas as costas todas pisadas dela lhe ter batido,depois de ter posto o meu tio na rua. A filha de que ela fala é a minha mãe,quando ela diz que ela lhe bateu é mentira. As pessoas haviam de ver como ela anda na rua quando está sozinha,iam ver como tudo o que ela diz não é verdade. É triste de ter uma avô assim.
Peço desculpa por alguns erros que dei no comentário.