A Casa do Concelho de Castro Daire recebeu uma conversa sobre a violência doméstica, em que participou um painel de reputados especialistas. O mote para a sessão foi dado pelo trabalho “Já imaginou levar pancada até ficar irreconhecível?”.
Uma pergunta chocante e incomodativa, para atribuir ao assunto em discussão toda a importância – e urgência – que merece. O trabalho de Sónia Lacerda e Catarina Cruz, jornalistas que se dedicaram a escutar as vítimas e as entidades que as apoiam, serviu de base para uma conversa informal que incluiu, além das autoras, o psicólogo e responsável da APAV Daniel Cotrim e o comissário da PSP de Marvila Pedro Esteves, moderados pela vice-presidente da Casa, Carla Pinto.
Também intervieram, na qualidade de convidados especiais, representantes da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e os deputados à Assembleia da República Pedro Bacelar de Vasconcelos e Sandra Pereira, entre outros.
“Quando fizemos este trabalho não fazíamos ideia que Janeiro e Fevereiro iam ser tão negativos quanto ao número de vítimas”, confessou Sónia Lacerda logo a abrir a sessão. Mais tarde, vários intervenientes haveriam de lembrar como é triste que tenha sido necessário morrer uma criança para acordar o país e suscitar reacções mais vigorosas, colocando a violência doméstica no topo da agenda política e mediática. “Queríamos homenagear e dar a conhecer o nome das pessoas que foram mortas em 2018. Falámos com a APAV e a UMAR, que nos traçaram um retrato do que existe no país e que nos revelaram uma realidade muito além do que se pode conhecer através da imprensa”, completou a jornalista.
Muitas vítimas não aceitaram falar com as autoras dos projectos Terrorismo sobre as mulheres – “Quem olha pelos filhos da violência doméstica?”, com a participação de Catarina Furtado, e “Porque deixámos Angelina morrer?” (uma mulher que foi regada com gasolina e assassinada pelo companheiro), com a participação de António Bagão Félix . Não quiseram revisitar aquela dor e revivê-la num novo depoimento. Outras aceitaram contar as suas histórias. Para Catarina Cruz, esse foi um acto de “tremenda generosidade, sobretudo porque quiseram que o seu testemunho pudesse ajudar outras vítimas que estejam a precisar de ajuda”.
Seria impossível resumir em poucas linhas aquilo que foi uma sessão muitíssimo participada. Os agentes da PSP partilharam a sua experiência e alguns dos procedimentos habituais, revelando que este ano há mais 10 vítimas em Marvila que no período homólogo no ano passado. Também se abordou a violência exercida sobre homens por mulheres, sobre os pais pelos filhos e sobre os avós pelos netos. Falou-se nas causas e nos contextos, nas respostas existentes e na necessidade imperiosa de alterar os discursos machistas, o sistema patriarcal e a cultura de silêncio.
Acima de tudo, que não seja mais possível lamentar a morte de uma mulher que pediu ajuda, mas a quem tudo falhou: a sociedade, o Estado, todos nós.
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