“Metamorfose” – Seniores de Marvila sobem ao palco

Oito seniores da freguesia de Marvila provam que nunca é tarde para novas aventuras no mundo da arte, tornando-se actores de teatro.

Com idades compreendidas entre os 55 e os 86 anos, estes actores trazem ao público um espectáculo intitulado “Metamorfose”. Trata-se de uma criação colectiva com a encenação de Miguel Mestre, director artístico do Teatro Contra-Senso.

A iniciativa integra-se no “Projecto reMix”, na sua vertente Eco-teatro, um projecto  promovido pela Associação Entremundos e pelo Grupo de Teatro Cultural Contra-Senso, com o apoio da Junta de Freguesia de Marvila e do programa BIP/ZIP (Bairros de Intervenção Prioritária/Zonas de Intervenção Prioritária) da Câmara Municipal de Lisboa.

Esta primeira peça de teatro dos seniores marvilenses subiu ao palco do Auditório Fernando Pessa, no Espaço Municipal da Flamenga, em Marvila, pela primeira vez no dia 14 de Março, pelas 11h e 16h.

Uma experiência recompensadora

Gonçalo Henriques, psicólogo que acompanha o projecto, explica que foi feita uma “selecção das pessoas para quem seria mais benéfico” o trabalho de representação teatral, numa relação de parceria com várias instituições da freguesia de Marvila (os centros da Santa Casa, o Centro Social São Maximiliano Kolbe, lares e centros de dia…).

Confessando que “foi um grande desafio trabalhar com seniores”, Gonçalo Henriques reconhece que o projecto foi “bastante ambicioso”, na medida em que “havia pessoas com algumas dificuldades, o que acabou por limitar artisticamente o que podia ser levado ao palco”. No entanto, não tem dúvidas de que “a recompensa foi maravilhosa”: “os ganhos pessoais que estes actores conseguiram são algo indescritível… O trabalho de semanas a fio resultou numa aprendizagem mútua e foi muito enriquecedor para todos”.

A maior virtude deste projecto foi talvez o facto de pôr os seniores a “falar sobre as suas vidas, os seus sonhos”, a “partilhar com os seus pares os seus sentimentos e as suas ambições”:  “a nossa máxima é que nunca é tarde para concretizar os sonhos, para fazer algo de que gostamos e que nos dá prazer. O Importante é acreditarmos em nós próprios!”

Introduzir o trabalho social no teatro

Miguel Mestre, encenador do Grupo de Teatro Contra-Senso, confidencia ao EXPRESSO do Oriente que os actores estavam “muito nervosos” antes da estreia, mas “muito satisfeitos” depois do fechar do pano.

O encenador confirma ter notado “uma grande evolução” no elenco amador: “quando entraram para o projecto, há sete meses, eram pessoas mais contidas, reservadas, inibidas, até com alguma tristeza”. Mas as mudanças são a todos os níveis assinaláveis: “agora estão muito mais abertos, mais libertos, com muito mais alegria”.

Convidado a revelar o que lhe dá maior gozo no projecto desenvolvido, Miguel Mestre identifica o factor que no seu entender é mais importante: “que os seniores tenham acesso a este tipo de actividades e que lhes seja dada a oportunidade de realizar os seus sonhos. Deixo esta mensagem especial aos grupos de teatro: que se voltem para as comunidades em que estão inseridos”.

“O espelho da minha alma é o meu palco e o meu teatro”

Quem o diz é Francisco Lourenço, 67 anos, no papel de doutorado. Deixa a sua alma a nu particularmente no momento em que evoca a terna memória de uma conversa com o seu pai, à beira de uma janela de onde ambos observam o nascer do sol, para “acertarem o relógio”, coisa que acabam por se esquecer de fazer.

Idalina Lima, 81 anos, torna-se benfeitora ao serviço dos outros, para que ninguém tenha fome, sede ou frio. O seu sonho é combater as necessidades dos que a rodeiam, como fica sublimado num poema declamado durante a peça.

Gorete, “a Lutadora”, é uma senhora de 62 anos a quem o fado corre nas veias. A Sua cadeira de rodas não a impede de ter um lugar de destaque no palco, e o aplauso após o cantar do fado premeia, de certa forma, a luta de uma vida inteira.

Estes são apenas alguns exemplos do que o público pôde experimentar no espectáculo “Metamorfose”, assistindo ao desabrochar dos casulos de oito seniores e à sua transformação em borboletas. Louve-se a coragem de quem abre a alma como um livro e partilha com os outros a história da sua vida e os sonhos que alimenta no seu íntimo!