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Bairro da Encarnação: de bairro nobre a inferno diário para os moradores

Já foi um bairro de referência onde os moradores tinham prazer em dar um passeio. Nos últimos meses, talvez dois/três anos, transformou-se numa dor de cabeça cada vez maior.

Encontrámo-nos com um grupo de residentes do Bairro da Encarnação, freguesia dos Olivais, na sequência do anúncio da tarifação do estacionamento à superfície por parte da presidente da Junta de Freguesia local, Rute Lima, atendendo a um pedido expresso dos moradores.

O convite era para darmos um passeio pela Encarnação e verificarmos in loco os problemas relatados numa petição com 343 subscritores, entregue na Assembleia Municipal de Lisboa, Câmara Municipal e Junta de Freguesia, que alertava para a degradação da qualidade de vida no bairro. E não podia ter sido melhor “combinado”: assim que chegámos, testemunhámos vários veículos em (acentuado) excesso de velocidade na Rua dos Eucaliptos, famílias de turistas a caminho dos seus veículos (porventura alugados), trabalhadores do aeroporto a dirigir-se para os seus automóveis a caminho de casa e um sem fim de carros estacionados ao longo de toda a rua, incluindo em segunda fila na Alameda da Encarnação e no parque enlameado adjacente ao Clube TAP.

Ao longo das duas horas seguintes, ouvimos de viva voz relatos de situações de conflito, em que quase se chegou a vias de facto, de discussões acaloradas, grafitis nas paredes, vandalismo de viaturas, incluindo pneus furados, clima de insegurança rodoviária, ausência de lugares para estacionamento dos moradores e a ocupação do espaço interior do bairro por frotas de empresas de transporte colectivo e empresas de aluguer de veículos.

“Somos estigmatizados diariamente porque muitas vezes a circulação está impedida por viaturas mal estacionadas. Não há segurança, não há visibilidade nos cruzamentos e nas passadeiras, os automóveis circulam em excesso de velocidade, as artérias residenciais são constantemente cruzadas por viaturas pesadas de passageiros em serviço de transfer de passageiros d o aeroporto… Temos frotas de empresas de aluguer de veículos estacionadas à porta de casa, autênticos escritórios móveis de empresas sediadas fora de Lisboa, pessoas de outros concelhos e de outros distritos que vêm estacionar o carro à Encarnação quando vão para o centro de Lisboa ou para outro país”, lamentam os representantes da Associação de Moradores.

Em seu nome, Amândio Paulino explica-nos que o problema se foi agravando com o tempo, não sendo fácil situar no tempo quando tudo começou. Certo é que no presente se tornou insuportável. “Há inclusivamente fóruns na internet onde se aponta o nosso bairro como bom para deixar o carro durante uns tempos sem pagar. O aumento do turismo veio aumentar também a pressão de estacionamento, quer por via dos turistas, quer pelos serviços do tipo Uber, Rent-a-Cars e serviços do estilo JetPark. Temos moradores de zonas tarifadas que vêm estacionar aqui a sua segunda ou terceira viatura. O Bairro da Encarnação passou a ser por excelência o parque de estacionamento dissuasor de Lisboa. Ruas com quatro ou cinco vivendas têm carros que nunca mais acabam, viaturas para vender ou alugar, viaturas pesadas…”.

EMEL entendida como inevitável

De acordo com a Associação de Moradores, as pessoas são por tendência contra a vinda da EMEL, mas uma vez que se apercebem de que não existe solução alternativa para pôr fim ao calvário, passam a apoiar essa medida.

“Estamos totalmente de acordo porque entendemos que não há outra solução. No dia em que começarem as obras de requalificação integral do Bairro e forem fechadas as ruas interiores, se não houver estacionamento tarifado e os respectivos dísticos para os residentes, nenhum morador vai ter onde estacionar e será tudo ainda mais insustentável. Esta solução é inevitável. Porventura será depois necessário até estender essa solução às zonas mais comerciais do bairro, porque não existe rotatividade na utilização do estacionamento”, apontam os vizinhos com quem tivemos esta «reunião informal a céu aberto».

Num cenário ideal, os lugares de estacionamento são ocupados por quem vai ao café, à loja, ao Mercado, ao parque infantil ou fazer exercício no parque de manutenção. Não é isso que se verifica na Encarnação: os veículos permanecem no mesmo lugar (por vezes em cima do passeio e de espaços verdes) dias ou mesmo semanas a fio, consoante os turnos de trabalho ou as viagens de curta duração que os donos fazem. Na Rua dos Eucaliptos, o parque de manutenção com equipamentos praticamente novos fica recorrentemente sem acessos pedonais, já que o espaço está vedado por automóveis.

Amândio Paulino faz questão de esclarecer que “nenhum de nós está a lutar por um estacionamento à porta de casa, não se trata disso. Queremos ter espaços cuidados, seguros, dinâmicos, onde se possa andar na rua. Queremos ter lugar para estacionar. Se o meu amigo viesse ter comigo a minha casa, teria de estacionar onde, no aeroporto? Se o meu pai, que tem 95 anos, precisar de serviço de fisioterapia em casa, onde é que o fisioterapeuta pode estacionar? Não pode!”.

Autocarros não passam

Além do rol de queixas já referidas, acresce o da poluição. No local, testemunhámos o escurecimento das fachadas e dos degraus de acesso às moradias na Rua dos Eucaliptos. “Lavo as minhas escadas todas as semanas e nunca estiveram como têm estado de há dois anos para cá: pretas, sujas… não eram desta cor!”, lamenta uma moradora.

Outro efeito nocivo (e grave) da ocupação das vias pelo estacionamento desregulado é a obstrução da circulação dos autocarros, nomeadamente no cruzamento junto ao Centro de Saúde, e dos veículos de recolha de lixo. O que deixa antever problemas também para veículos de emergência, como ambulâncias ou o carro dos bombeiros. De acordo com os relatos que ouvimos, não foram poucas as vezes que a carreira 83 da Carris teve de descarregar os passageiros, deixando-os à espera que passasse outra, por haver veículos estacionados nas curvas da Alameda da Encarnação, em cima da inha amarela.

Amândio Paulino também defende a criação de uma zona 30 e a alteração de algumas ruas para sentido único, procurando soluções que garantam a segurança pedonal e rodoviária.

“Fizemos um questionário e recolhemos a opinião dos moradores dos vários pontos do Bairro, que foi bastante esclarecedor. A segurança e o estacionamento são os índices que preocupam mais os residentes, a par de uma sensação de degradação do espaço público”, refere um membro da Associação de Moradores que representa cerca de 1000 habitações.

 

 

Procurámos ouvir a presidente Rute Lima sobre este assunto, que nos começou por referir o Bairro da Encarnação como “um bairro de referência na cidade de Lisboa, pelo seu traçado único”.

Relacionando o aumento da pressão de estacionamento com o momento em que os trabalhadores do aeroporto deixaram de poder estacionar naquele equipamento, entre outros factores, Rute Lima explica-nos que foi o agudizar dos problemas que fez a autarquia mudar de ideias quanto à acção da EMEL no Bairro. “Não são caprichos nem obstinações da Junta nem da presidente, mas as transformações e dinâmicas da cidade, em constante mutação. Há quatro anos não existiam os problemas que existem hoje e o bairro não foi pensado para os automóveis do século XXI, mas para os da década de 60. Por isso, num processo de diálogo permanente com os moradores, a Câmara de Lisboa e a EMEL, entendemos implementar a tarifação do estacionamento nas ruas periféricas do Bairro da Encarnação e a exclusividade para moradores nas ruas interiores”.

A lista das artérias a tarifar é a seguinte: Alameda da Encarnação, Rua dos Eucaliptos, Rua Quinta de Santa Maria, Rua da Portela, Rua dos Lojistas.

Quanto à requalificação integral do bairro, Rute Lima salienta a enorme dimensão da obra, bem como o grande investimento que representa – na ordem dos quatro milhões de euros. A intervenção abrange as infraestruturas de abastecimento de gás e água do subsolo, o desenho das ruas e a respectiva repavimentação, depois de já terem sido recuperados os jardins interiores do bairro.

Para maior informação dos munícipes, haverá um balcão específico da EMEL na Junta de Freguesia dos Olivais e a autarquia vai desenvolver uma campanha de sensibilização.

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5 Comments

  1. Curioso que nem por um momento é mencionado o nome de um único associado dessa dita associação de moradores

  2. Bom dia caro José Mendes, como pode verificar quando lê o artigo completo, está identificada a pessoa que presta declarações ao nosso jornal. Agradecemos a atenção. Cumprimentos.

  3. É pena é que essa é a versão de apenas de uma parte dos moradores do bairro da encarnação. Como podem verificar existe uma petição pública contra a entrada da emel na JF de olivais e está assinada por mais de 1600 pessoas. Essa comissão e associação de moradores fala em inquéritos mas a maioria dos moradores nunca fez parte desse questionário. Essa comissão/associação de moradores a maioria dos moradores questiona a sua legalidade porque nunca foram questionados sobre essas pessoas e esses poderes….antes de fazerem um artigo deviam estudar a sério o assunto e verem ambos os lados e não só o que vos foi feito a pedido.

  4. O problema é que essa associacao/comissão de moradores não representa os moradores do bairro da encarnação.

  5. Para mim o grande problema do bairro da encarnação é o barulho constante e durante todo o dia e noite dos cães que as pessoas “plantam” nos quintais (só porque sim) e na grande maioria ali vivem 1 vida inteira sem sair de casa. Eu própria tenho cão que passeia diariamente e várias vezes ao dia e a quem treinei para não ladrar.

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