Cultura

Palácio Nacional de Sintra identifica única galeria do século XVI conhecida em Portugal

A riqueza histórica do milenar Palácio Nacional de Sintra continua a surpreender os historiadores.

Após dois anos de investigação dedicada à história da Sala das Galés, a equipa de conservadores do Palácio Nacional de Sintra chegou à conclusão inédita de que esta sala é uma galeria do século XVI, o que faz dela a única galeria palatina desta época conhecida em Portugal e um espaço do Humanismo quinhentista desconhecido até à data, que terá sido utilizado por D. Sebastião para dialogar com os seus mestres. A nível europeu, há muitos exemplos de galerias palatinas, como a Galeria dos Ofícios, em Florença, a Galeria de Francisco I, em Fontainebleau, ou a Sala das Batalhas no Mosteiro de São Lourenço do Escorial, nos arredores de Madrid. A do Paço de Sintra é a primeira ser identificada em Portugal, tendo motivado a revisão museográfica do espaço conhecido como Sala das Galés, que se estendeu também às salas adjacentes denominadas Câmaras de D. João III.

As galerias do século XVI serviam, essencialmente, para passear e desfrutar das vistas, bem como para estimular o diálogo intelectual, frequentemente entre um mestre e um discípulo, com o objectivo de produzir conhecimento. Estes diálogos foram particularmente importantes durante o Humanismo – a doutrina filosófica que vigorou na Europa dos séculos XV e XVI – e podiam abordar os temas pintados nas paredes e nos tectos da galeria ou girar em torno das colecções de objectos ali expostos, elementos que serviam frequentemente para exaltar os feitos da Coroa. Assim, as galerias eram locais de descanso e de reflexão, mas também lugares de memória.

Após reunir um conjunto de fontes escritas e pictóricas, a equipa de investigadores do Palácio Nacional de Sintra concluiu que a Sala das Galés terá sido mandada construir por D. João III e estaria concluída antes ou cerca de 1534, o que a torna num exemplo muito precoce a nível europeu. Posteriormente, terá sido utilizada por D. Sebastião para dialogar com os seus mestres. A decoração original perdeu-se, restando apenas a pintura da abóbada do tecto, que deverá ter sido realizada no século XVII. A perda da sua decoração original, bem como da memória da sua função, levou a que a sala fosse adaptada no século XIX para aposentos do príncipe D. Pedro, futuro D. Pedro V, que foram depois utilizados pelo infante D. Afonso, irmão do rei D. Carlos.

Evocando a função original deste espaço, a nova abordagem museográfica procura valorizar a Sala das Galés como espaço do Humanismo em Portugal e promover um debate intelectual inspirado no passado histórico do Paço de Sintra e na sua condição de edifício híbrido marcado pelo gosto mudéjar – simbiose entre a arte cristã e a arte muçulmana, que traz à memória episódios tanto de intercâmbio cultural como de conflito. Para tal, recorre a um variado conjunto de objectos da sua colecção, dando-lhes uma nova interpretação e mostrando que, embora algumas das peças expostas incluam elementos islâmicos, uma análise atenta revela que, na sua maioria, são objectos produzidos em territórios cristãos com influências muito diversas. Destacam-se o conjunto de 63 pratos de reflexo metálico, de produção Valenciana (séc. XV-XVIII) e a selecção criteriosa de 86 azulejos provenientes das reservas do Palácio, alguns dos quais mostrados ao público pela primeira vez. Completam a exposição, cujo objectivo é estimular a reflexão sobre a relação entre a herança islâmica na cultura portuguesa e a construção de uma memória nacional em torno de uma cultura de hibridismos, contadores indo-portugueses, louceiros com madeira tropical e porcelanas sino-europeias.

A Sala das Galés integra um núcleo arquitetónico que inclui mais três salas construídas no mesmo período. Nas denominadas Câmaras de D. João III, sobre as quais, até ao momento, não foi possível apurar qualquer informação, dá-se continuidade à reflexão sobre a memória, com uma nova museografia que procura demonstrar como o Paço de Sintra se tornou também num lugar de memória da nobreza portuguesa. As peças expostas nestas salas demonstram como as casas nobiliárquicas utilizaram diversos tipos de objectos para conservar a memória das suas dinastias: retratos, arcas de enxoval passadas de geração e geração, insígnias colocadas ao peito e contadores para guardar escrituras de propriedade.

A renovação deste núcleo expositivo dá assim continuidade à aposta da Parques de Sintra na revalorização da exposição de longa duração do Palácio Nacional de Sintra, que procura recuperar a memória das funções associadas aos espaços, actualizando a museografia e enriquecendo a experiência do visitante, designadamente ao nível interpretativo.

Ver mais

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Close