Sociedade
Um Autarca Exemplar
Eleito pela primeira vez Presidente da Junta de Freguesia dos Olivais em 1989, José Manuel Rosa do Egipto despede-se agora do cargo que assume há 24 anos. Numa entrevista intimista, o autarca recorda os seus primeiros passos na política e a sua primeira candidatura àquela que é ainda a maior freguesia da capital mas também o trabalho que desenvolveu ao longo dos seis mandatos em que, juntamente com a sua equipa, implementou uma política onde as pessoas foram sempre a prioridade. Orgulhoso e sem arrependimentos, o socialista não tem dúvidas do que fez em prol de uma freguesia que evoluiu muito nas mais diversas áreas – saúde, educação, cultura, desporto – tornando-se numa das maiores e melhores freguesias lisboetas e garante que termina esta fase da sua vida política com a certeza do dever cumprido.
Visto como um político reservado nos seus sentimentos, José Manuel Rosa do Egipto não conseguiu, no entanto, esconder a sua emoção com a aproximação da hora do adeus e foi-lhe difícil segurar a teimosa lágrima que rolou no seu rosto durante a nossa conversa.
Como é que nasce o gosto pela política e como é que se dá, em 1974, a sua entrada no Partido Socialista?
O gosto pela política nasce muito antes do 25 de Abril de 1974 e tem raízes familiares, nomeadamente do meu pai. Foi ele que me alertou para aquilo que era o país nessa altura e foi aí que, com 16/17 anos, tomei consciência do que era o regime em que se vivia. Nessa altura, estava na fase de vida caracterizada pela irreverência que também os estudantes de hoje ainda têm, felizmente. E é ai que nasce o gosto. Nessa altura, comecei também a ler alguns testemunhos e houve um que me marcou especialmente e que me fez integrar o Partido Socialista e tornar-me militante do mesmo no dia 1 de Maio de 1974. Esse testemunho foi o do Dr. Mário Soares. Foi ele a pessoa que mais me marcou, nessa altura, em termos de pensamento político e é ele o responsável pela minha entrada no partido.
Quais os aspectos em que se identificava com ele?
Nos valores de humanismo, igualdade, solidariedade e o de sermos mais tolerantes com o nosso semelhante. São valores que, quase 40 anos depois, ainda defendo e que infelizmente se estão a pôr em causa no nosso país. As pessoas vivem muito desiludidas com os valores que me levaram a entrar na política, mas não podemos desistir.
Entre a sua entrada no partido e a sua eleição como Presidente da Junta de Freguesia dos Olivais passaram-se 25 anos. Que funções ou cargos exerceu durante este período?
Em 1985 foi a primeira vez que entrei no executivo da Junta de Freguesia dos Olivais. Não como presidente mas como integrante do executivo mediante um acordo que houve entre o PSD e o PS. O PSD venceu as eleições, o PS foi o segundo partido com maior votação e houve nessa altura um acordo entre ambos. Eu não era, nessa data, o cabeça de lista do partido, mas fui escolhido pelo mesmo para fazer parte do executivo da Junta em 1985, com funções de Secretário, Vogal dos Recursos Humanos e Vogal do Desporto. Essa foi a minha primeira experiência enquanto político.
Antes, tive um percurso mais vocacionado para a vida sindical. Pertenci à Direcção do Sindicato dos Bancários, fui delegado sindical, pertenci à UGT e estive, inclusivamente, na sua génese.
Em 1982 fiz parte da Assembleia da Freguesia e em 1989 concorri em nome do Partido Socialista, pela primeira vez como cabeça de lista, e ganhei essas e as sucessivas eleições.
O que o levou a candidatar-se?
A minha candidatura aconteceu de forma natural. A minha participação na vida do partido fez com que quem liderava os destinos do PS aqui nos Olivais me indicasse como o representante, pois entenderam que eu era a pessoa que melhor poderia corporizar aquilo que eram as ideias do Partido Socialista em termos de poder local. Há que salientar que o Partido Socialista tem uma grande marca no poder local e eu quis dar, também, o meu contributo. Acho que ao apostarem em mim tiveram a consciência de que possuia as características necessárias para assumir os destinos da freguesia. Essa confiança foi depois confirmada e reconfirmada nas várias eleições que ditaram os seis mandatos em que aqui permaneci. Eleições essas onde tive sempre um acréscimo de votos e onde no último mandato fiquei a centena e meia de votos de chegar à maioria absoluta. Portanto, é sinal que as pessoas, não só dentro do partido mas também de fora, reconheceram que eu era a pessoa mais indicada para encabeçar a lista do partido e tenho muito orgulho nisso. Passados 24 anos não estou nada arrependido de o ter feito.
Nessa altura, quais eram os objectivos que tinha para a freguesia?
Os objectivos de 1989 são os mesmos de hoje: trabalhar para as pessoas e ser o elo de ligação entre todos os que vivem na freguesia, para que seja possível melhorar as condições dos Olivais. Com as pessoas e para as pessoas, trabalhar sempre em prol da comunidade, esse foi o meu lema. Sempre desejei que as pessoas que aqui moram, trabalham e nos visitam sentissem orgulho na freguesia.
Ao longo destes anos, deixa com certeza a sua marca na freguesia. Quais são, para si, as mais importantes obras ou medidas implementadas?
Houve variadíssimas obras de destaque. Só quem não conheceu a freguesia nos anos 90, é que não vê as melhorias que teve. Se poderia ter feito melhor? É evidente que sim. Se a medida que tomei há 10 anos atrás seria igual agora? Com certeza que nesta altura a tomaria de forma diferente. Mas isso só pode ser dito por quem exerceu e quem fez alguma coisa.
Acima de tudo, não estou nada arrependido de todas as opções que tomei. Saio daqui com pessoas que estão satisfeitas e outras insatisfeitas, mas saio de cabeça erguida e com uma certeza: tenho o meu dever cumprido! Dei tudo o que podia dar e cumpri o que me foi pedido. É uma freguesia com uma área enorme e que vai continuar a ter problemas, mas está muito diferente de quando comecei e há que salientar que tudo isto foi possível graças às equipas que comigo trabalharam e à interação com a sociedade civil. Tudo isto só se faz se as pessoas acreditarem nos projectos e nas pessoas que os envolvem. E nos Olivais, quer a nível cultural, desportivo ou educacional, houve sempre uma sinergia muito forte em termos de quem lidera os destinos da freguesia. E não imagino ninguém que venha para a Junta de Freguesia e que tente trabalhar de outra forma. Isto só se consegue trabalhar em equipa e tive sempre equipas muito empenhadas no trabalho que realizaram.
Quais foram as maiores dificuldades que encontrou?
As dificuldades foram muitas. As da incompreensão; as de sentir muitas vezes o bater da porta devido a essa mesma incompreensão; as dificuldades de ter que contar os tostões para pagar aos funcionários da Junta de Freguesia, quando aqui cheguei; e dificuldades do dia-a-dia, de querer resolver as questões que as pessoas nos põem e não termos capacidade para isso.
Há toda uma fase de dificuldades, que ainda hoje não deixam de existir, mas que estão muito mais diluídas devido à delegação de competências, iniciada por Jorge Sampaio e seguida por todos os presidentes de Câmara até hoje.
Muitas vezes tive vontade de bater a porta e dizer “basta”, mas nunca o fiz. Houve momentos de alguma desilusão devido à incompreensão das pessoas, mas levo um saldo muito positivo. Hoje, ao sair da junta, não tenho dúvidas de que levo mais amigos que inimigos.
Como é que se faz frente a essa incompreensão sem perder o apoio dessas mesmas pessoas?
Faz-se trabalhando, não virando as costas às dificuldades e encarando os problemas no dia-a-dia. Muitas vezes a solução é compreender que as pessoas até têm razão, mas fazendo-lhes ver que aquilo que reclamam é também uma preocupação da Junta de Freguesia mas que só pode ser resolvida com o tempo. E isto foi talvez a maior dificuldade que tive.
Sentiu que o apoio dos Olivalenses ao longo destes 24 anos foi constante?
Senti sempre apoio. Em democracia os votos são o que são e não há batota eleitoral. Se estou aqui ainda hoje é porque as pessoas reconheceram em mim, e nas minhas equipas, que há algo que foi feito em prol da freguesia. O apoio que senti foi das pessoas que desinteressadamente estiveram sempre ao meu lado e quiseram também trabalhar em prol da qualidade de vida dos olivalenses.
Estes anos fizeram-me perceber que há sempre pessoas insatisfeitas, que acreditam que nunca nada é bem feito e que acham que tudo o que se faz é por negócio, interesse ou, como se diz em linguagem popular, que é tudo “um tacho”. Mas é importante que se saiba que as pessoas que trabalham aqui no executivo têm outras profissões e que vêm aqui de forma voluntária. Ninguém acredita nisto mas, se pensarem bem, tirando o cargo de presidente, o de secretário e o de tesoureiro, não existem ordenados. Os vogais recebem cerca de 18 euros por presença nas reuniões da junta – e fazem-se apenas duas reuniões por mês – portanto, eu pergunto, onde é que está “o tacho”? Não é com este rendimento que se tem “tacho”. As pessoas estão aqui porque gostam de praticar a sua cidadania.
É contra essas ideias pré concebidas que temos de lutar, fazendo ver que se pode fazer algo em prol do próximo de uma forma desinteressada. E foi isso que aqui se fez. Só não vê quem não quer ver a diferença entre o que existe hoje nos Olivais e aquilo que existia em 1989.
E para não ser juiz de causa própria, é falar com a sociedade civil, com as colectividades, escolas, comunidade educativa, escoteiros, e paróquias, que são as principais testemunhas que tenho do trabalho que foi feito.
Agora que termina uma fase da sua vida política, sente que ficou alguma coisa por fazer?
Há sempre algo que fica por fazer. Mas, acima de tudo, fui sempre fiel a um principio: dentro do programa que apresentei nunca defraudei esse programa eleitoral. Tudo aquilo que prometi, tentei sempre cumprir. Posso dizer que cumpri entre 90 a 100 por cento de todas as promessas que fiz. Nunca enganei alguém sobre o que estava aqui a fazer. É evidente há sempre algo que falta, porque se pode sempre fazer mais e porque as necessidades das pessoas nunca ficam satisfeitas. As pessoas são hoje mais exigentes e é bom sinal que o sejam. Estão insatisfeitas com o espaço verde que está castanho, com a falta de um corrimão numa escada, com uma pedra da calçada que não está bem colocada… Mas têm que ter consciência que há coisas que só se podem fazer se houver meios para as fazer. Tudo leva o seu tempo.
Trabalhámos sempre em prol de quem vive na freguesia e trabalhámos dentro daquilo que era possível. Tivemos sempre a porta aberta e toda a gente que quis contatar a junta pôde fazê-lo.
Ao fim de todos estes anos, a paixão que tinha pela política continua a ser a mesma ou tem uma visão diferente?
A vida politica não muda. Podemos fazer outras coisas… Mas este bicho da política mantém-se e há outras formas de praticar a nossa cidadania.
Hoje há a fobia de que a cidadania só se pratica nos movimentos independentes. A cidadania até se pratica individualmente. Criou-se a ideia de que o bom cidadão é sempre aquele que não está nos partidos políticos, ou seja, acha-se que os dos partidos são uns “malandros” e uns “corruptos” e os outros é que são bons. Eu não tenho essa visão. Acho que há pessoas boas e más em todas as organizações. Há muitos independentes que só concorrem desta forma depois de serem excluídos dos partidos em que estavam integrados. Ou seja, as pessoas estão nos partidos, são postos de fora e depois candidatam-se como independentes e vêm criticar os partidos em que inicialmente se apoiaram.
A política faz-se com partidos e eu tenho muito orgulho de estar num partido político e de fazer política na base da ideologia desse partido.
E planos para o futuro?
Há muito para fazer para além da Junta de Freguesia.Têm me questionado muito sobre o que vou fazer a seguir e eu respondo “talvez o que nunca foi feito”.
Costumo dizer que dei o meu contributo enquanto presidente de junta durante 24 anos e enquanto membro do executivo em 28 anos. É metade da minha vida. Não estou arrependido, pelo contrário. Este foi um ciclo que se fechou em termos de freguesia.
Tomei essa decisão há dois anos quando me candidatei e disse publicamente que este era o meu último mandato. Cumpri o que disse. Recebi várias sugestões para me candidatar ao Parque das Nações e para me recandidatar aos Olivais mas entendi que há ciclos em que tem de se pôr um ponto final. Sou adepto da renovação e que se deve dar lugar a outros protagonistas. Os Olivais são uma freguesia extraordinariamente dinâmica para se viver e há muito para se fazer, desde que se queira e é isso que espero de quem me suceda. Que faça igual ou melhor. Estarei atento.
Também não votarei aqui mas os Olivais estarão sempre no meu coração, isso é certo.
E que futuro espera para os Olivais?
Os Olivais não têm muito mais para crescer. É mais para consolidar, manter e melhorar. Eu entendo que uma Junta de Freguesia deve ter um papel muito social. Hoje, com a crise que se vive, as Juntas de Freguesia são as maiores testemunhas do Estado de Direito em que vivemos e da insatisfação e dificuldades sentidas pelos cidadãos. A primeira porta a que as pessoas batem é na da Junta de Freguesia e esta deve ter um papel muito social e, acima de tudo, valorizar o espaço público. Os Olivais têm a riqueza da vivência dos bairros em si, do associativismo, do potencial humano e voluntário e quem vier tem de aproveitar. É importante que haja apoio, sinergia e parcerias. Se isso existir, tudo é possível de se fazer.
Vê-se emoção nos seus olhos. Já sente saudades?
Saudades do trabalho que foi feito e que não se pode esquecer. É normal que me sinta nostálgico ao recordar tempos que aqui passei, bons e maus…mas é um sentimento de satisfação. Passei metade da minha vida aqui, se não houvesse sentimentos, não estaríamos cá. A política é também feita de afetos e se não fosse assim, não faria sentido. Se não me emocionasse significava que tinha vivido para tudo isto durante 24 anos e nada se tinha passado. E não foi assim. Houve momentos de muita desilusão, de alguns constrangimentos, mas no cômputo geral foi um trabalho muito gratificante, do qual muito me orgulho e onde depositei muita dedicação. Quando andar por aí vou lembrar-me de todos os pormenores. E só desejo que quem me substitua consiga ter o mesmo entendimento.