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História de uma vencedora em cadeira de rodas

 

Falar da história de Daniele toca o coração de qualquer ser humano. Até porque a sua vida poderia ser a de qualquer um de nós. O infortúnio não escolhe sexo ou estrato social, e o segredo para vencer as adversidades da vida está em não baixar os braços, está em ter força, coragem, optimismo e em tentar cumprir os nossos sonhos, seja por uma estrada a direito, seja por uma mais tortuosa. Daniele dá-nos uma lição de vida. Através da dança venceu medos, tornou-se mais livre, e voltou a ser feliz.

Numa fase tão importante na vida de qualquer jovem, a fase dos sonhos ainda não cumpridos, Daniele sofreu um acidente. Tinha então 20 anos de idade e a queda de um ramo de árvore sobre as suas costas condenou-a a viver agarrada a uma cadeira de rodas. Quando acordou para a dura realidade, decidiu que a situação não a poderia condenar a um destino cruel e por isso teria de encontrar um rumo para a sua vida.
Passados que estavam dois anos após o acidente, um amigo convidou-a para assistir a uma audição de uma companhia de dança no Brasil. Desafio que lhe mudou por completo a vida. Quando terminou o evento, ele desafiou-a a experimentar. “Fui dançar em cadeira de rodas. Tratou-se do meu primeiro contacto com a dança.” Sentiu-se tão bem e feliz que decidiu que a modalidade desportiva a iria acompanhar para sempre.
Daniele vivia no Brasil mas quis o destino que viesse viver para Portugal, por força do casamento. Chegada ao nosso país e porque não queria parar de dançar, pesquisou na Internet algo de parecido com o que praticava no seu país de origem. “Comecei a entrar em contacto com várias pessoas na tentativa que quisessem fazer parte do projecto. Entretanto, conheci o João Santos, da Dança & Companhia, em Setúbal, que me apresentou ao Nuno, que já tinha alguma experiência em trabalhar com pessoas em cadeira de rodas. O nosso primeiro encontro foi engraçado: colocámos uma música a tocar, experimentámos alguns passos e, no final, olhamos um para o outro e decidimos concretizar a dupla Nuno e Daniele. Iniciámos a competição em 2010 e não mais parámos até hoje.”
Nuno começou a dançar em 1996, nos Alunos de Apolo, em Lisboa, e esteve federado durante oito anos, frequentou um curso na Escola Superior de Dança, fazendo sempre em paralelo danças de salão. Entretanto, acabou a licenciatura e o seu projecto de fim de curso passou pelo trabalho com pessoas com deficiência, na Liga Portuguesa do Deficiente Motor.
Nuno nunca tinha estado ligado à dança inclusiva, até conhecer Daniele. “Um dia, em Setembro de 2010, fomos ensaiar. Dançamos e, passado dois meses, decidimos participar num campeonato na Holanda. Foi o campeonato do mundo e ficámos logo em 4.º lugar”, recorda com entusiasmo. Ele nunca tinha tido nenhuma experiência de dança em cadeira de rodas em competição, mas Daniele já o tinha feito no Brasil. “Foi uma experiência engraçada, demo-nos bem os dois. E o que fazemos é uma coisa importante. Nuno é, sem dúvida, o parceiro de dança ideal de Daniele e vice-versa.
Costumam ensaiar duas vezes por semana, mas quando estão próximo de um campeonato treinam mais e com outra intensidade.

A participação em campeonatos tem sido excelente, atingindo normalmente os primeiros três lugares entre os 20 ou 30 pares a concurso. “Estamos sempre entre os finalistas, é bom ter um lugar no pódio. Este ano foi espectacular, porque tivemos sempre entre o 1.º e o 3.º lugar. E não foi melhor porque não conseguimos verbas para ir a mais campeonatos”, lamenta Daniele.
Em 2011, a dupla de dançarinos ocupavam o 6.º lugar no ranking mundial, em 2012 passaram para o 3.º lugar. “No ano de 2013, se houver verbas suficientes, pode ser que cheguemos ao 2.º ou ao 1.º lugar. Quanto mais se vai a campeonatos, mais pontuação ganhamos e mais hipótese há de ficarmos entre os melhores”, explica com confiança.

Sociedade não está adaptada
Para Daniele, a dança passou a ser a sua vida. Depois de ter tido contacto com a modalidade desportiva, deixou para trás as sessões de fisioterapia. A dança proporciona-lhe um leque de novas sensações e benefícios, é uma terapia que lhe faz bem à mente e ao corpo. “A dança mostrou-me que uma pessoa em cadeira de rodas pode ir muito mais além do que imagina. “
Pela sua experiência de vida, as maiores dificuldades com que se depara no quotidiano são a inexistência de acessos, como a falta de rampas para as casas de banho ou balneários, ou as portas estreitas, ou ainda os sanitários inadequados. Ao mesmo tempo, revela que às vezes as casas de banho são autênticos armazéns. “Em vários restaurantes, já constatei isso, é uma falta de respeito. Mas deve-se ao facto de haver poucas pessoas em cadeira de rodas a frequentar esses espaços. Não saem de casa, não fazem exercício físico, logo, ficam cada vez mais limitadas. Considero que a sociedade já esteve pior, aliás, eu já enfrentei situações muito difíceis no Brasil, em que a acessibilidade é quase nula”.
Daniele não é uma pessoa revoltada pelo infortúnio que lhe aconteceu. É uma mulher simpática, de sorriso nos lábios, e de bem com a vida. “Só tenho que agradecer a Deus por tudo o que me deu até hoje”. E para 2013 o objectivo está bem definido: “Eu e o Nuno consigamos ter patrocinadores para nos levarem aos campeonatos e fazermos os treinos necessários”.

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