Reportagem

Campeão “Super Pesado”

É no Ginásio KO Team, nas instalações do Sport Lisboa e Olivais, que encontramos o “Tita”. Apesar de ter uma potência capaz de fazer tremer o mais comum dos mortais, este campeão cativa pela simpatia e contagia os que o rodeiam com a sua boa disposição permanente.

O cartão de cidadão diz Vítor Matos, mas todos o conhecem por “Tita”. A alcunha foi herdada do pai, a quem chamavam “Rato”, “Ratito”, “Ratita”. E pegou como nome de guerra. “Estou tão habituado que às vezes até me distraio e assino alguns papéis como Tita!”, confessa o nosso amigo.

Campeão do Mundo na categoria de Super Pesado em três disciplinas – boxe chinês, low-kick e K1 – Vítor “Tita” Matos já não caminha para novo, mas ainda tem muito combustível no tanque. Aos 36 anos, já viveu mais tempo a praticar a modalidade do que fora dela.

Tudo começou aos 15 anos, quando começou a treinar full contact. “Via os filmes, os combates na televisão e sempre sonhei ser grande na modalidade. Trabalhei na construção civil para poder fazer disto vida um dia. E cheguei onde estou”, explica, enquanto limpa o suor de mais um treino com a malta da TBT – The Brotherhood Team.

“Não dá para explicar o que sentimos. É como qualquer coisa que fazemos com gosto. Uma das vantagens que tenho como atleta é a descontracção com que o faço. Estar em cima do ringue é o que eu mais gosto”. Se assim não fosse, os reveses seriam mais difíceis de digerir… “No último combate fiquei muito amassado e parti novamente a cana do nariz. Mesmo com esse handicap, avancei para a frente e lutei pela vitória. A sensação de vencer os obstáculos e atingir um objectivo muito desejado é uma realização indescritível”, aponta este guerreiro.

Depois de ter tentado o título mundial por duas vezes e de se ter lesionado com gravidade nesse percurso, Vítor “Tita” Matos alcançou o título aos 36 anos, com cinco combates sempre contra lutadores mais novos. “Para quem não sabe, três assaltos, cinco assaltos contra rapazes de 20 anos é violento. A parte física conta muito!”.

Um sabor especial teve o título ibérico, que não conquistou sem uma boa dose de sofrimento: “saí do primeiro assalto com uma fractura no nariz, a engolir o próprio sangue, portanto soube ainda melhor, como um sonho”.

Origens humildes importantes no seu percurso

Originário do Bairro da Madragoa, Vítor “Tita” Matos reconhece ter feito “coisas estúpidas na adolescência”: “Se não tivesse começado a praticar este desporto, teria enveredado por maus caminhos. Quero transmitir aqui no ginásio os mesmos valores que recebi e que fizeram a diferença na minha vida”.

Os valores do respeito e da lealdade são de tal forma valorizados pelo campeão que os tatuou no corpo.

Para o Tita, é importante que as crianças se sintam bem a praticar um desporto e que tenham vontade de praticar. “Depois há a vertente mais competitiva, que exige alguns sacrifícios extra. A competição não é compatível com certos hábitos. É uma questão de escolha. Consegui dentro do ringue um patamar de sucesso que não consegui alcançar em outras áreas da minha vida. Não me arrependo de nada!”.

Atleta e instrutor no Ginásio KO Team há cerca de 10 anos, Vítor Matos tomou as rédeas do mesmo há pouco mais de ano e meio. Para seu orgulho, a TBT já conseguiu fazer levar dois alunos a fazer exames de graduação, apesar do curto período de actividade. “O nome não é à toa. Fundámos esta equipa para sinalizar os laços que nos uniam. Somos seis e é como se fôssemos todos mesmo irmãos”.

Um desses “irmãos” acompanha a nossa entrevista. Ricardo Pimenta assume-se como mais que um mero treinador do Tita: um companheiro que o ajuda a melhorar, que o foca nos objectivos, que o ajuda a preparar-se mentalmente. E garante que é “um orgulho enorme e um prazer todos os dias”. “No dia-a-dia há muita risada, muito companheirismo, mas também muito foco nas nossas metas”, afirma Ricardo Pimenta.

Como é «domar» este «bicho» quando está chateado? “Quem conhece o Tita sabe que ele é incapaz de ter uma palavra ofensiva para um amigo ou para um aluno. Todos nós temos os nossos problemas, mas o Tita consegue transmitir sempre uma boa onda, um sorriso, um incentivo, mesmo quando está triste ou cansado. Admiro-o ainda mais por isso e pela humildade com que ele anda nisto. Faz competição há muitos anos, acaba de ter o melhor ano da sua carreira, foi campeão do mundo em três categorias e campeão ibérico na batalha mais dura que ele teve até hoje, contra o David El Rami, neste mesmo pavilhão nos Olivais. Isto além de todos os títulos nacionais que já conquistou. Mesmo assim mantém os pés bem assentes na terra”.

Um desporto transversal

Vítor Matos descreve o kickboxing como um desporto de aficionados, com um público muito fiel. Quando combate em casa, nos Olivais, sabe que enche o pavilhão, porque arrasta consigo os amigos e familiares. Mas lamenta que só no estrangeiro a modalidade ganhe outra dimensão: “Os maiores eventos internacionais geram e movimentam milhões. Tomara que em Portugal houvesse combates transmitidos com regularidade na televisão, como há noutros países”.

Fora a competição, a modalidade é verdadeiramente transversal: “Temos actores, cantores, pilotos da TAP, pessoas que não gostam da parte do combate por razões profissionais… temos atletas com deficiência.

Tita refere-se a dois jovens deficientes que adoram treinar com ele: “Gostam muito estar aqui e têm registado uma evolução brutal. O desporto faz maravilhas pela sua auto-confiança, porque são tratados como iguais e isso permite-lhes sentirem-se úteis. Posso contar rapidamente a história surpreendente do Rafa, um rapaz que entrou aqui de muletas, com óculos, porque tem um problema de visão, a arrastar as pernas, sem grande controlo motor. Nós saltamos à corda, algo que ele não pode fazer. Mas isso não é impeditivo: entra para o ringue, agarra numa corda e na outra, põe-se no trampolim e fica ali uma hora ou mais! É um exemplo de superação para os outros”.

Está na hora de ir embora, antes que nos obriguem a mostrar o que valemos dentro do ringue. Boa sorte para o futuro, campeão!

 

 

Destruindo os mitos sobre o kickboxing

– Isto é só para homens feios, maus e tatuados: “cada vez há mais mulheres a treinar e mais instrutoras do sexo feminino”.

– É um desporto apenas de combate: “mentira, há muita gente que anda no kickboxing por puro exercício físico, que não gosta do contacto físico”.

– É preciso partir o nariz para entrar no boxe ou no kickboxing! “Atletas com 20 anos de carreira nunca partiram o nariz”.

Um ídolo na modalidade: Jérôme Le Banner, um francês campeão do mundo em várias disciplinas. “Uma vez, num combate transmitido na SportTv, o comentador comparou-me com esse meu ídolo, e fiquei muito feliz”.

Um exemplo na vida: “A minha avó, que tenho tatuada no meu corpo, porque é a melhor pessoa que conheci. Se estou aqui, é por causa dela também”.

Horários KO Team: aberto das 10h às 22h de segunda a sexta-feira e aos sábados das 14h às 18h. Boxe, Kickboxing e Muay Thai e Boxe para crianças disponíveis ao longo da semana. Horário no Facebook!

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3 Comments

  1. Conheço o Tita há mais de 15 anos e sempre soube que ele tem um potencial enorme para ser dos maiores lutadores internacionais. É com pena que não o vejo há demasiado tempo, mas tenho muito orgulho em o ter conhecido pessoalmente. Ele merece os títulos que tem e muitos mais. Desejo-lhe as maiores felicidades e sucessos! Grande Abraço!

  2. Grande ( literalmente ) Tita, tem muito que falta ser dito sobre a tua pessoa que essa reportagem nao trouxe. Es um grande atleta e uma pessoa maravilhosa, portanto, mereces cada pontinha desse sucesso. Um abraço.

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