O homem da graxa

João Fernandes Júnior tem um pequeno negócio de engraxador, instalado junto ao portão do Jardim da Estrela quase todos os dias. Para ele, esta actividade é um “biscate de reformado”. Trabalhou como varredor na Câmara de Lisboa, reformou-se e “para não estar parado” dedica-se a este trabalho. 

“É um negócio que hoje em dia rende pouco. Anda tudo de ténis e sapatilhas. Qualquer dia largo isto, que não é vida. Tem dias que aborrece muito. O que me vai safando são as pessoas que andam de fato e precisam de ter os sapatos como deve ser”, explica. E acrescenta que pelo seu banco já passaram “alguns famosos, deputados… lembro-me também de um que era ministro, o Catroga”. É assim uma espécie de pequena recompensa para estimular o dia-a-dia de uma profissão pouco rentável!

Gosta de conversar com os seus clientes. Há os que falam mais, outros que não “abrem a boca”. Aos que querem conversar, João “dá troco”. Os assuntos são os típicos: o tempo, as notícias do dia, o futebol. O nosso amigo engraxador é do FC Porto e do Marítimo, mas não se considera “doente pela bola”, embora apoie dois clubes. A sua freguesia de origem fica a 11 quilómetros do Funchal e costumava ir ao estádio quando era novo. Veio para Lisboa após o 25 de Abril e só voltou à Madeira duas vezes.

Ao final de uma tarde de sábado, em dia de homenagem ao antigo Presidente da República Mário Soares, que iria decorrer ali bem perto na residência oficial do primeiro ministro, e quase na hora de fechar a caixa e ir para casa, é presenteado com um cliente inesperado: nada mais, nada menos que o actual Presidente da República!

De passagem por ali e a caminho de homenagear o seu antecessor, Marcelo Rebelo de Sousa, com a habitual descontracção que lhe é conhecida, parou a viatura em que seguia e solicitou os serviços de João Fernandes Júnior. Afinal, um presidente tem mesmo de andar com os sapatos impecáveis e um toque profissional faz toda a diferença! João não fez a coisa por menos, a dedicação com que engraxou o calçado ao presidente valeu-lhe o reconhecimento presidencial por um trabalho bem feito e uma gorjeta a que não está mesmo habituado… “Foi muito simpático! Fez-me logo ali o dia!”, exclama com um sorriso.

João Fernandes Júnior já pensava em arrumar a caixa, as escovas e a almofada para dar por terminado mais um dia de trabalho. O dia tinha sido igual a tantos outros: nem bom, nem mau. “Ele veio, começou a falar comigo, pediu para fazer o serviço e disse logo que estava com pressa, queria aquilo rápido”, conta o engraxador de 67 anos. “Demorei pouco, mas o presidente esteve sempre a falar”.

E de que falaram? Perguntamos nós. “Quis saber de mim, de onde é que eu era, como ia o negócio… eu disse-lhe que era da ilha da Madeira, do Estreito de Câmara de Lobos. Falou de vários assuntos, coisas normais, nada de conversa de político. Achei-o tão normal como outra pessoa qualquer. Ao cabo de alguns minutos terminei o serviço e ele foi à sua vida. Não fiz mais nenhum trabalho nesse dia!”.

Amanhã João voltará ao seu local de trabalho para mais um dia que provavelmente será “nem bom, nem mau” mas caso apareça alguma figura pública, é certo que ficará mais animado. Quanto ao Presidente, João termina a nossa conversa garantindo que “é uma pessoa que dá gosto conhecer. Bem…não posso dizer que o conheço, mas é verdade que é mesmo fácil falar com ele. Se ele quiser engraxar outra vez, cá estarei para o receber”, afirma com um sorriso que deixa transparecer um certo orgulho em ter atendido o cliente mais famoso do País.

Desconhecemos se o presidente pediu factura com número de contribuinte…